Historicamente, o Brasil foi atuante na construção e
consolidação dos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos,
reconhecido como protagonista de relevado prestígio na elaboração da
arquitetura das estruturas das Nações Unidas e da Organização dos Estados
Americanos, especialmente desde a redemocratização.
No entanto, desde a posse de Bolsonaro a política
externa brasileira vem sendo fragilizada por um discurso ideológico combativo
ao inexistente “globalismo”, uma especulação desconexa e imaginativa do atual
ministro, que tem promovido um retrocesso diplomático sem precedentes,
sobretudo na área dos direitos humanos.
Trata-se, como denominaram em recente reunião conjunta
os ex-chanceleres anteriores a Ernesto Araújo, de uma diplomacia da vergonha,
que vem implodindo as relações internacionais construídas ao longo de décadas,
submetendo de forma subserviente os interesses nacionais à política de Trump,
resultando numa conduta de autoisolamento no mundo globalizado e pandêmico.
Desde a posse de Araújo, o Brasil vem sendo denunciado
internacionalmente pelas ações genocidas contra os indígenas, pelos ataques ao
meio-ambiente e à diversidade biológica, pelos retrocessos nos direitos à
diversidade de gênero LGBTIQ+, em relação ao discurso misógino do Presidente e
assessores, pelos ataques à liberdade de imprensa, pela atuação criminosa em
relação a defensores dos direitos humanos, bem como pela política carcerária e
de segurança pública racista e desumana que vinha sendo levada a cabo pelo
então Ministro da Justiça, dentre muitos outros temas.
O desprezo ao tema dos direitos humanos no Brasil
produziu impactos sociais sem precedentes em todas as áreas, resultando não
apenas no encolhimento da importância do Brasil nos mecanismos internacionais,
como também no aumento expressivo das denúncias contra o país nestes
fóruns. Desemprego, pobreza, aumento da violência de gênero, genocídio
indígena, destruição ambiental, fragilidade institucional e democrática tem
avançado a galope desde a implementação da plataforma antidireitos do governo
Bolsonaro.
Nesse sentido, a pandemia não poderia ocorrer em
governo e em momento pior para o Brasil. Bolsonaro é reconhecidamente o pior
gestor da crise no mundo, como apontou o editorial do The Washington Post, pois
coloca em risco a vida de milhares de pessoas, minimizando as consequências
letais do vírus e os impactos ao sistema de saúde.
Outro não é o resultado do colapso já vivido nas muitas
cidades brasileiras. Sem considerar a subnotificação, o Brasil ultrapassou a
China em números absolutos de mortes e a reação do presidente é de sarcástica
omissão ou, o que é o pior, de manifestações criminosas.
Bolsonaro também já foi denunciado no Tribunal Penal
Internacional por cometer crime de lesa humanidade pela responsabilidade
individual que possui na contenção da crise, já que ocupante do principal cargo
da República. Após inúmeras denúncias na ONU, relatores especiais das Nações
Unidas declararam que “as políticas econômicas e sociais irresponsáveis do
Brasil colocam milhões de vidas em risco.”
Os ataques negacionistas do governo Bolsonaro às
recomendações da Organização Mundial de Saúde levou o país a ser deixado de
fora da aliança sobre o acesso a tratamentos de saúde ao COVID-19, o que inclui
bilhões de recursos para o desenvolvimento de uma vacina para conter o vírus.
Parte do governo brasileiro sequer sabia da existência da reunião de alto nível
da Organização, em mais uma ação da diplomacia da vergonha.
O demérito aos órgãos multilaterais e a completa
desídia do governo federal tem resultado em expressivas manifestações dos
mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, daí que poderá
levar o Brasil a uma responsabilização mais efetiva, como uma eventual
condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e mesmo a esperada
condenação criminal e pessoal do presidente Jair Bolsonaro pelo Tribunal Penal
Internacional.
É passada a hora também para que instituições
brasileiras atuem de forma decisiva para o afastamento do presidente mais vil,
abjeto e despreparado da história da nossa triste república, evitando assim
milhares de outras mortes que serão vítimas de seu projeto atentatório aos
direitos humanos.
Gisele
Ricobom, Larissa Ramina e Carol Proner, professoras de Direito Internacional
Público, membras da ABJD
Fonte: Jornal GGN
Fonte: Jornal GGN
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