Nesse momento o respeitável público acompanha uma
suposta batalha épica entre a grande mídia (em particular a Globo) do lado do
Iluminismo, da Ciência e da Informação; e do outro o obscurantismo negacionista
de Bolsonaro. Telecatch para entreter as massas: se, como falam diariamente
colunistas e analistas, o presidente é uma figura tão tóxica que incitaria as
pessoas a relaxar o isolamento social, então por que destacam e repercutem as
“saidinhas” de Bolsonaro por padarias e centros comerciais, enquanto
jornalistas e cinegrafistas se aglomeram em torno dele? Desrespeitando as
medidas sanitárias… Lição semiótica: não se pode negar transformando em imagem
aquilo que é negado, é o triunfo icônico. Negar Bolsonaro ao mesmo tempo
que o exibe e o promove é a complexa operação semiótica jornalística nesse
momento. Grande mídia e Bolsonaro partilham da mesma visão de Economia,
Estado e Sociedade. Por isso, acompanhamos uma polarização simulada fabricada
por um jornalismo tão asséptico quanto álcool em gel – promove o isolamento
social por um ponto de vista de classe média em espaçosas casas. Enquanto os
pobres se apinham nas periferias, ressentido… E Bolsonaro está à espera deles.
O leitor desse Cinegnose deve se lembrar do
chamado “Escândalo da Wikipédia” em 2014, em pleno auge da guerra híbrida com
bombas semióticas explodindo quase que diariamente na grande mídia para criar
escândalos que desestabilizassem o governo Dilma Rousseff. E cujo desenlace
final foi o impeachment em 2016.
“Planalto altera o perfil de jornalistas com críticas e
mentiras”, deu a bombástica manchete o jornal O Globo. As vítimas teriam sido
seus colunistas Miriam Leitão e Carlos Sardenberg – seus perfis na Wikipédia
teriam sido alterados, com críticas e acusações, a partir de um endereço IP da
rede wi-fi do Palácio do Planalto – clique aqui.
Dilma em pessoa, ou alguns de seus “militantes”, teria
perpetrado esse ato terrorista que atingiria a “liberdade de imprensa”. Mais
uma prova da natureza totalitária dos governos do PT, comunistas ou de
esquerda.
Uma verdadeira “não notícia” (a própria matéria ao
final diluía a “bomba” da manchete – qualquer um poderia ter usado o wi-fi do
Palácio) que foi tentada dar pernas para repercutir. De forma autofágica, a
Globo ofereceu suas próprias estrelas do jornalismo em sacrifício, como
homens-bomba, em prol de um objetivo maior – o impeachment.
Seis anos depois, deixamos o período da guerra híbrida
através das bombas semióticas – afinal, o perigo do PT foi afastado e a agenda
econômica neoliberal foi imposta. E, mais do que isso, a crise do COVID-19 abre
uma nova janela totalitária: destruição ainda mais rápida do que resta das
garantias sociais e conquistas trabalhistas, além do vislumbre de novas formas
de controle das massas por meio, p. ex., do rastreamento de celulares.
Agora estamos imersos no cenário de guerra
criptografada: camadas e mais camadas de informações contraditórias, criação
exponencial de polarizações, telecatchs diários para hipnotizar corações e
mentes – Bolsonaro X Braga Neto, Negacionistas X Ciência, Mandetta X Bolsonaro,
Governadores contra Bolsonaro etc.
Se na guerra híbrida as bombas semióticas provocavam
explosões pontuais que iam minando a estrutura do Governo, agora temos uma
criptografia extensa, que cria uma interface de acontecimentos que sequestram a
atenção do espectro político e das pessoas confinadas em suas telas dentro de
casa. Enquanto, invisível, roda um Sistema Operacional (SO) com uma agenda bem
definida: reengenharia social e liquidez do sistema financeiro com drenagem do
dinheiro público.
O
jornalismo no álcool em gel
Mas temos o papel decisivo do “Jornalismo no álcool em
gel”, asséptico, que de um lado pretende glamourizar o isolamento social a
partir de um ponto de vista de classe média; e do outro, criar mais um
telecatch para o respeitável público: a Grande Mídia (representando a
“Ciência”, a “Informação” e o “esclarecimento”, sempre do lado do ministro
Henrique Mandetta) versus o obscurantismo do presidente Bolsonaro.
Assim como no episódio do “Escândalo da Wikipédia”, a
grande imprensa sacrifica seus jornalistas como peões das suas épicas batalhas
semióticas. Dessa vez, com uma articulação simbólica mais complexa: tem que
criar a impressão de que está em meio a uma cruzada contra um presidente tosco
e ignorante, usando as armas iluministas da Ciência e da Informação.
Por exemplo, nesse momento colunistas, como a analista
econômica Miriam Leitão (reparem que nas lives da sua residência está
sempre presente um microfone colocado em pedestal sobre a mesa, como falasse de
um púlpito – simbolismo de que sua fala é a voz oficial da própria emissora?),
acusam o afrouxamento espontâneo das medidas de isolamento social como
responsabilidade de Bolsonaro – o estrago provocado pelas suas saídas
insistentes, cercados por seguranças em Brasília, visitando farmácias, bares,
padarias e pequenos centros comerciais. Enquanto cumprimenta a todos no corpo a
corpo, estendendo as mãos, numa afronta às recomendações sanitárias.
O próprio capitão da reserva ironizou, enquanto ria à
toa: “também os repórteres contrariam as normas ao segui-lo até a farmácia…”.
Ironicamente, contrariando as normas de saúde, jornalistas também se aglomeram
para registrar suas “saidinhas” e, igualmente, supostamente também
desobedeceriam às normas sanitárias.
Ora, como dizem editoriais da grande mídia, se o Jornalismo
é um serviço essencial que necessita passar informações às pessoas confinadas,
ao lado da sociedade na batalha contra o novo coronavírus, por que destacar com
fotos e imagens ele caminhando pelas ruas, dando as mãos para a população?
Se o exemplo de Bolsonaro é assim tão nefasto para as
urgentes medidas sanitárias, por que então a grande mídia continua dando ibope
para cada ato tresloucado presidencial? Por que não o jogam para a “Sibéria do
esquecimento” (Brizola) como o fizeram com Lula e tantos outros desafetos? Por
que continuam a dar visibilidade a uma figura supostamente tão tóxica?
Por que sacrificar repórteres diariamente, a cada
manhã, no “cercadinho” em frente do Palácio da Alvorada no ritual de humilhação
diante da claque de fãs do presidente?
A
polarização simulada
Um dos poucos analistas à esquerda que estão observando
essa manobra semiótica é o linguista Gustavo Conde:
Bolsonaro – perdão pela falta de educação – está rindo
à toa. Ele desfila na nossa cara e ninguém irá impedi-lo, pelo contrário: os
jornais e mídias ‘alternativas’ adoram destacar as fotos com ele caminhando
pelas ruas de Brasília. Dá um ibope danado.
A fronteira entre divulgar o que ‘precisa’ ser
divulgado e o oportunismo irresponsável de propagar o comportamento exótico de
um presidente com problemas de sanidade e caráter, foi implodida pela falta de
capacidade técnica do nosso jornalismo. (…)
Bolsonaro – desculpem o linguajar – conta com essa
imprensa para perpetuar seu poder de influência sobre a população brasileira,
inclusive a que o rejeita: a tensão entre presidente e imprensa faz com que o
consumidor de informação tenha de optar entre um e outro.
É a verdadeira ‘polarização’, essa palavra que essa mesma imprensa, de maneira inocente (e burra), quer jogar no colo da esquerda. Em outros tempos, esse acirramento da polarização entre presidente e imprensa resultava em impeachment.
Por que Bolsonaro está rindo à toa, com a tranquilidade
daqueles que sabem que são impunes? É como se ele dissesse a todos os
repórteres que os cercam: “eu sei o que vocês fizeram no verão passado!”.
Ele sabe que está ali, no poder, como a resultante de
um grande acordo nacional, “com o Supremo e com tudo”, um arco da aliança entre
banca financeira, Casa Grande, classe média (a mesma que a gora bate panelas),
Judiciário, Congresso e mídia corporativa.
Na sua preocupação com a assepsia política, chafurdada
em álcool em gel, agora o jornalismo corporativo simula um telecatch com o
presidente. Sugere que sua presença é tóxica, anticivilizatória, obscurantista
e negacionista. Mas paradoxalmente quer negar mostrando aquilo que supostamente
recusa, colocando diariamente no foco das câmeras.
Fonte:
Jornal GGN
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