Nos dias 26 e 28 de janeiro fiz, em meu canal do
YouTube (www.youtube.com/cunversadoph) dois alertas
aos Ministérios da Saúde e da Economia. Em síntese os alertas pediam a
elaboração urgente de Planos de Contingência para a transformação da epidemia
de Covid-19 na China em pandemia, já que a doença começava a chegar na Europa e
nos Estados Unidos.
Àquela altura já era claro, para mim e para muitos
profissionais da saúde, que seria uma questão de tempo a Organização Mundial da
Saúde declarar a Covid-19 como pandemia (fato que ocorreu em 11 de março de
2020). O Brasil registrou o primeiro caso dia 26 de fevereiro de 2020,
exatamente um mês após meu primeiro alerta.
Em 30 dias, se o Ministério da Saúde e da Economia
tivessem sido acionados pelo Presidente da República para estruturar os Planos
de Contingência ante a iminente pandemia de Covid-19, o Brasil estaria em outra
situação. Não só tais Planos não foram feitos como o Presidente ainda foi com
sua comitiva para uma viagem questionável para os EUA. No retorno, 23 membros
da comitiva testaram positivo para a Covid-19 e há dúvidas se o próprio Capitão
não teria a doença.
Se o Ministério da Saúde tivesse adotado uma postura
preventiva em portos, aeroportos e postos de fronteira desde o final de
janeiro, medindo a temperatura das pessoas e aplicando testes rápidos de
Covid-19 por amostragem após anamnese (questionário de saúde) com a subsequente
“quarentena” de 15 dias para os casos suspeitos; se tivesse desde o final de
janeiro articulado a operação para aquisição de respiradores artificiais,
máscaras e insumos para UTI; se tivesse desencadeado uma campanha nacional de
esclarecimento e conscientização para o que viria, teríamos ganho ao menos 15
dias a mais para detecção do primeiro caso. Parece pouco, mas em epidemiologia,
isso seria muito relevante.
Se o Ministério da Economia tivesse desde o final de
janeiro estruturado com os Governadores, Prefeitos, Câmara dos Deputados e
Senado Federal, credores da União, Banco Central, Sindicatos e Federações
Empresariais, um Plano de Contingenciamento econômico para o que viria,
teríamos a essa altura uma rede de proteção social e econômica estruturada para
apoiar a população mais vulnerável e os empresários, a bolsa teria sofrido
menos perdas pela demonstração, aos investidores, por parte do Brasil, de ações
protetivas antecipadas, consistentes e planejadas.
Mas não, muito ao contrário. O Capitão atleta
significou a Covid-19 com uma “gripezinha” e não articulou seus Ministérios
para preparar a Nação para o que viria (e ainda virá). A essa altura perdemos
tempo de planejar e contingenciar. Temos tempo apenas para apagar incêndios. O
Brasil foi privilegiado por assistir ao desastre na Europa e não fez seu dever
de casa.
Nessa semana o Imperial College divulgou um estudo
assinado por 50 cientistas, liderados pelo Dr. Neil Ferguson, que demonstrou
por modelos matemáticos os impactos para o mundo e para o Brasil da pandemia de
Covid-19. No melhor dos cenários, com 75% dos brasileiros confinados em casa
(os outros 25% mantendo os serviços essenciais funcionando), teremos 11 milhões
de infectados nas próximas semanas com 44 mil mortos. No cenário de isolamento
parcial (defendido por Bolsonaro e seus seguidores) teremos 120 milhões de
infectados de 530 mil mortes. O pior cenário, prefiro nem falar.
Aqui faço meu terceiro alerta em 60 dias: o Brasil é
sério candidato a ser o próximo epicentro da pandemia, após os EUA. A favor
desse meu vaticínio – que preferiria não dar – estão alguns fatos: São Paulo,
nosso atual epicentro, é uma das maiores metrópoles do mundo; possuímos
péssimas condições de saneamento e habitação com um grande contingente de
aglomerações humanas nas favelas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Recife,
Manaus, Brasília e Salvador; possuímos apenas 46 mil leitos de UTI distribuídos
em apenas 600 cidades do país; nossa população envelheceu e se empobreceu e,
mais importante que tudo isso, temos um Presidente que não governa e um governo
desarticulado com os Governadores, Câmara dos Deputados, STF, com a imprensa e
com boa parte da sociedade civil. Esses ingredientes nos tornam sérios
candidatos a sermos a bola da vez da pandemia de Covid-19.
Bolsonaro é, também, sério candidato a genocida. Sua
incompetência como Chefe do Executivo, suas declarações e posturas nessa crise,
incitando e participando das manifestações de 15 de março contra as
recomendações da OMS, dando declarações a favor do não isolamento social –
única arma que o mundo dispõe, atualmente –, fazendo um pronunciamento
absurdamente desprovido de bom senso e bases científicas e cedendo aos
empresários e líderes evangélicos inescrupulosos para retornar as atividades
normais no país, se tornará no grande responsável por milhares de mortes
(talvez centenas de milhares) que ocorrerão no Brasil.
O Brasil começa a assistir à escalada do número de
casos sem ter, a essa altura, muito mais do que fazer senão não dar ouvidos ao
Capitão atleta e manter a quarentena. Perdemos muito tempo e agora precisamos
aguentar o tranco que virá. Aparentemente o colapso no sistema de saúde deverá
ocorrer no final de abril desencadeando ondas sistêmicas: a primeira será a
grande procura pelos sistemas de saúde que lotarão leitos e UTIs; a segunda
será o aumento da mortalidade pelo fato do sistema de saúde colapsado devolver
doentes de Covid-19 e de outras doenças (AVC, infarto, acidentes, etc) para
suas residências e lá, sem cuidados intensivos, terão elevada probabilidade de
morrerem; a terceira será o fato de que hospitais lotados de pacientes com
Covid-19 terão o vírus circulando em grande quantidade e profissionais de saúde
adoecerão e ficarão ‘fora de combate’ (vide exemplo do Dr. David Uip e outros).
Antes de encerrar esse artigo de más notícias gostaria
ainda de dar uma última: haverá uma quarta onda sistêmica. Essa quarta onda
nada mais será que o empobrecimento de quase todos. Só não estarão mais pobres
os financistas de plantão pois estes estarão emprestando dinheiro para pessoas
físicas, jurídicas e para o próprio governo para a conta da Covid-19. Talvez,
com um governo sério e comprometido, aos financistas caberia uma boa fatia de
‘colaboração forçada’ para a crise.
O vírus foi um acidente evolutivo. Bolsonaro é um
acidente de nossa democracia. O segundo, bem pior que o primeiro.
Prof.
Dr. Paulo Henrique Pinheiro
Mestre e Doutor em Imunologia pela UNIFESP
Professor Associado I da UESPI
Fonte: Jornal GGN
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