Tenho de admitir, Bolsonaro é muito bom no que se
propõe a fazer: desgoverno, tumulto no país e desinformação na sociedade. Ele é
o que é, e sua existência plena é isso mesmo. Nem mais, nem menos, “taóquei!”.
Ele e sua prole não se pretendem governantes, o ato de governo é como se fosse
um condomínio e, infelizmente, o síndico é o próprio Jair Messias, e não Tim
Maia. Nesse condomínio, a maior parte dos subsíndicos se comporta mais como
xerifes de galeria do que como habitantes de um mesmo espaço. Ao contrário do
que seria esperado, o síndico de discurso autoritário não é centralizador nem
tem pulso forte ou mão de ferro. Ninguém pode aparecer mais do que ele e, menos
ainda, assumir atos de responsabilidade. Esse síndico não faz nada e não deixa
ninguém fazer muito. Não se mete com o tesoureiro, embora lembre a todo o
momento que até esse pode ser demitido.
O condomínio Jambalaya do Coiso ou Coisoflat teria o
propósito de ser um local “imaculado”. Em um bloco está o síndico, em outro
familiares e num outro ainda, os asseclas olavistas. São seguidores de uma
estranha combinação de senso comum misógino e racismo à brasileira, com a
mística de uma TFP pós-moderna. O guru, em modalidade EAD, é um ex-astrólogo,
autointitulado “professor”. Ali tem de tudo: criacionismo, recalque de
carreira, especulação falcatrua, publicidade que odeia a si mesmo, gente do
“Novo”, mas que promove o ecocídio e outras excrescências.
O bloco do Coiso é ladeado por outros dois prédios. Um
é “seleto”, onde vive o tesoureiro que teve a potestade de escolher seus
vizinhos. O “pedigree” é o mesmo: financistas, usurários, especuladores,
pessoas de bem com maneiras refinadas e atos perigosos. São os novos donos do
poder, e têm relação com todos os setores das oligarquias nacionais, tanto da
situação como da oposição. Pela primeira vez, a laia limpinha e cheirosa está
“autorizada” a desmontar quase tudo, romper com as tradições mais caras do
desenvolvimento nacional e usar toda e qualquer situação, com ou sem pandemia,
para fazer sua pregação irreal. O bloco dos especuladores é perigosíssimo,
embora suas crenças sejam ridículas e seus atos impliquem na fome de milhões de
brasileiros.
O outro bloco que faz costado com o do Coiso é o de
milicos de pijama. Assim como o Bozo, nada sabe além de desorganizar e arrumar
tumulto. Na prática tenta operar como “síndicos de facto”. Esse ataque ao poder
não deu muito certo, mas manteve e até ampliou a presença da turma de
aposentados, que preferiu a aventura política a ficar jogando biriba, carteado,
peteca e tênis em clubes vazios. As famílias de amigos são grandes, enormes.
Não basta morar no condomínio, tem de garantir que a construtora faça outra
obra para alocar o sobrinho do tio, do afilhado, do amigo do vizinho, do primo
do cunhado, e assim vai. Esse parentesco estranho vai ganhar o apelido de
“peixe”, “peixaria”, “coxado”. É o leva e traz de qualquer grande instituição.
Parece “meritocrático”, mas na verdade esse dedão com compadrio sempre ajuda.
Ah, e como ajuda! O síndico já quis morar nesse bloco trinta anos atrás, mas
agora manda ou diz que manda no subsíndico.
Supostamente, o pessoal do condomínio em frente vai ser
chamado a morar no novo bloco do Jambalaya Coisoflat. Todo mundo é filho de
alguém, ou neto, bisneto e assim segue. O Coiso se disse “novo”, mas queria ser
como os desse novo bloco, que estão cobrando para morar no condomínio. Ele
precisa do apoio de dois segmentos que o desprezaram por trinta anos. Haja
psicanálise. Os oligarcas precisam participar desse co-governo, no qual o
síndico manda, mas não muito, a não ser que seja para seu próprio interesse.
Essa turma sempre foi governo, suas convicções são muito semelhantes com as do
Coiso, mesmo sem nenhum pudor em mudar de opinião, seja por instinto de
sobrevivência ou por benefício dos seus. Curioso é notar que o Coiso foi eleito
rejeitando essa parte da laia e agora dela depende para seguir como síndico que
não governa.
Outro novo bloco que já deixou de ser é o tal do Moro
Bloco. Nele estariam vivendo os reacinhas “limpinhos e cheirosos”. Uma mescla
de TFP com UDN, sendo que o bloco do Coiso é mais para AIB, enquanto o da turma
de pijama está mais para conspiradores de avental, os tios dos galinhas verdes,
mas espertalhões como Olympio Mourão, o fascista de Minas que deu alguns golpes
de Estado. Acontece que essa turma aí, que anda de rábula a estamento, são bons
de articulação de corredor e têm mais penetração no aparelho policial do que
aparentam ter. Formam uma camada em ascensão, amiga dos gringos, astros da TV e
craques em redes sociais. Foram o abre alas da “nova direita”, MBL, Vem Prá
Rua, Direita isso e Aquilo, e toda uma fauna de internet que, quando vai para a
rua, parece mais uma marcha de tipo “cosplay de mangás”. Os filhos ou primas
mais novas dos “mauricinhos” da Era Collor cresceram e passaram nos concursos
das carreiras jurídicas. “Ungidos” pelo Deus dos europeus, a meta é imitar em
todas as possibilidades os modos de vida que eles viram nos seriados de TV a
cabo.
Quando o bode expiatório era comum, a ex-esquerda que propôs um pacto de
classes sem uma espada afiada ao lado, a turma de terninho, fala latinizada com
caras e bocas, conseguiu. Para quem era governo e perdeu, seu Nicolau cobrou o
imposto da ignorância histórica. Já o pessoal que se imaginou estar na Liga da
Justiça, exagerou no porre de Nutella e o pote foi azedando. Demorou a passar o
efeito da bala de glória e não se deram conta que o vento bate e muda de rumo.
Seu herói Sergio Fernando cresceu o olho e ficou ao lado de Bolsonaro. Terminou
peleando com o Coiso e agora vai se dedicar a derrubar o síndico sem dó algum
de arriscar demolir o condomínio todo.
A guerra
de versões contra as realidades e os fatos
Traduzindo: não temos governo. Uma situação como a
pandemia seria o momento ideal para que o capitão e sua milicada de pijama
demonstrassem “a capacidade executiva”, “o braço forte”, a “centralidade
decisória” e outros chavões autoritários típicos. Não aconteceu nada disso,
embora na sexta feira, 13 de março, Bolsonaro tenha tido alguns lampejos de
racionalidade pública. Porque sim, ele tem raciocínio, pensa politicamente, é
dotado de estratégia política, mas, em geral, os temas são de ordem particular
e as políticas públicas tenebrosas. Ele não quer resolver nada e em toda a
situação inusitada que aparece (pois governar é solucionar problemas) apresenta
um discurso estapafúrdio, entrando em uma guerra de narrativas. Nesse sentido,
a laia ganhou. Nem a Globo, quando quer fazer jornalismo, consegue construir
algum sentido de verdade baseado em relações lógicas e fundamentadas em fatos.
Para mentir não basta ser “criativo”. Isso ajuda, mas
não basta. O Gabinete do Ódio poderia ser tão rápido como um excelente setor de
criação de uma grande agência de publicidade, mas não daria conta. O síndico do
Jambalaya Coisoflat sabe falar a língua do bairro de classe média e conhece os
anseios da macharada que sonha em botar no mundo “pegadores de condomínio”,
como seriam os filhos 01, 02, 03 e 04. Ele é o senso comum, a condensação
das ideias dominantes do pior do Brasil, tudo junto e misturado. Essa mescla do
horror inclui tudo de ruim: pastor picareta, grupo de extermínio, milico
recalcado, arrivismo, espertalhões de todos os matizes, mulheres misóginas, e
mais parece uma versão glauberiana de Salò, o longa-metragem do genial Pier
Paolo Pasolini sobre o fascismo. O filme está rodando ao vivo e vivemos sob os
desmandos e o desgoverno do protagonista. Cruz credo.
Falando em Glauber Rocha, vale lembrar: “mais fortes
são os poderes do povo” e nessa guerra de falsos profetas, quem fala em nome de
Deus é o demônio de chinelo no condomínio, enquanto quem é taxado de demoníaco,
na verdade, são os representantes do beato Santo Antônio do Bom Conselho, no
Brasil do Século XXI. Para o “sertão virar mar” é preciso implodir as cloacas
que pariram estas bestas, parar a fábrica de mentiras e fazer todo o esforço
possível para que nenhum sertanejo aceite se tornar “bate pau do Medonho”.
Bruno
Lima Rocha é cientista político e professor nos cursos de Relações
Internacionais, Jornalismo e Direito. Editor do blog Estratégia & Análise:
análise política para a esquerda mais à esquerda.
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Fonte: Jornal GGN
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