Na interminável e triste novela intitulada “No Tempo do
Bolsovírus”, transmitida nos meios de informação e desinformação no
Brasil e no exterior, são cada vez mais frequentes os capítulos de
tragicomédias em curso, atravessando dias, noites e madrugadas. Um dos últimos
ainda não teve título definido, pois se em tempos anteriores poderia ter como
epígrafe simplesmente Uma Reunião Ministerial, hoje isso não se faz possível.
Como se poderia, então, denominar o infeliz evento?
São múltiplas as propostas. Por exemplo: Conversa de
Botequim no Planalto, Um Teatro de Horrores, A Hora da Zorra, ou ainda, na
habitual gíria das hostes milicianas, Pintou Sujeira. Os espíritos metódicos
apontam, todavia, A DesOrganização da Delinquência. Mas não falta quem,
simplificando, afirme ter sido apenas A Assembleia das Hemorroidas.
Outros lembram, contudo, a simultânea, crescente e
macabra contagem das milhares de vidas e famílias perdidas e os irreversíveis
padecimentos das vítimas, em grande parte, da indiferença, insensibilidade,
incompetência, negligência, culpa e/ou dolo revelados no tal episódio; e ninguém
esquece uma voz maligna ressoando: E daí? (poderia ser um epílogo, mais um
título, ou tão-somente um signo de maldade e desgoverno?)
Deixando de lado por enquanto o que nele mais possa
interessar à Antropologia, à Sociologia, à Filosofia, à Ciência Politica, à
Historia e à Criminologia, não faltaria lugar também para a curiosidade do
psiquiatra, do veterinário, do freudiano, do biólogo ou mesmo de um diletante
colecionador de inverdades e maléficas intenções.
Contudo, a saliência dos aspectos escatológicos da
desastrada reunião – evidenciando à primeira vista crimes de
responsabilidade por falta de decoro – são infelizmente superadas em gravidade
pelas despudoradas condutas de alguns participantes.
Constituem
auto-incriminação notória, prova pré-constituída e autenticada pelos próprios
autores, coautores, partípicipes e testemunhas. Efetivamente, por sua forma,
conteúdo e circunstâncias, completam um flagrante corpo de delitos
praticados, confessados, prometidos e/ou anunciados. Um precioso material a ser
preservado e pedagogicamente divulgado (tirem as crianças da sala), de grande
interesse para variadas ciências e artes, não apenas dos estudiosos mas também
e sobretudo de quem deva constitucional e legalmente agir, sob pena de
prevaricação. O quadro exposto na desmoralizante assembleia requer
especial atenção de juristas, magistrados e membros do Ministério Público.
Apresenta vasto conjunto de atos, fatos e intuitos delituosos assumidos,
exigindo inadiável ação dos agentes públicos e políticos incumbidos de aplicar
o direito e definir responsabilidades com presteza, independência e
isenção.
Com efeito, quem poderia conceber mais grotesco cenário
do que o escancarado a partir de reunião ministerial sob o grosseiro comando da
presidência de uma tão sofrida República? Como tolerar, sem criminosa
condescendência, a explícita apologia e incitação à violência armada,
deliberadamente concebida e publicamente exibida contra as instituições do
Estado Democrático de Direito e seus representantes? Como ignorar as
gritantes agressões e ameaças ao patrimônio público, à segurança nacional, à
probidade na administração, aos cidadãos e a seus direitos fundamentais, tudo
sob a descontrolada batuta de um Chefe de Armadas Instituições, mito de
fanáticos e milicianos, que na presença de silenciosos generais prega a
distribuição de armas e afirma ser fácil instalar uma ditadura quando as
pessoas estão isoladas em casa? O que mais seria necessário para se fazer
cumprir a Constituição assim vilipendiada?
Finalmente, por que tratar apenas daquela assembleia
escolhida e indicada em delação feita por um super-integrante da mesma
organização que a promoveu? Seriam irrelevantes e angelicais as reuniões
anteriores e posteriores? Por que a Global e premiada delação feita por
quem oculta fatos delituosos anteriores que não poderia por dever de oficio
ignorar? Como aceitar, homologar e premiar o delator que até a véspera se
apresentava como irmão siamês do delatado e fiador de sua irrepreensível
conduta, dela auferindo dissimuladamente e enquanto pôde as vantagens e
benesses a seu alcance?
Por tudo isso, mais do que nunca se fazem necessárias,
por dever cívico ou de sobrevivência como nação civilizada, as iniciativas de
defesa e promoção da cidadania por todos os meios, sem subestimar – a despeito
das frustrantes omissões e conivências de parcelas consideráveis daquelas
mesmas agredidas instituições – os instrumentos jurídicos
constitucionalmente disponíveis (representações civis, administrativas,
notícias-crime, ações constitucionais (impeachment), políticas (comissões
parlamentares de inquérito, convocação de ministros e autoridades), ações
de responsabilidade civil por danos materiais e morais, queixas-crime, ações
penais, populares e/ou de improbidade etc.
Ainda haveria tempo?
Fonte:
Jornal GGN
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