domingo, 31 de maio de 2020

AS SEIS BANDEIRAS DO GOVERNO FEDERAL, POR SR. SEMANA




Passou despercebida uma das mais importantes declarações do presidente da república na reunião ministerial do 22 de abril. Trata-se da lista que faz das bandeiras do governo. A menção ocorre no trecho do vídeo da íntegra da reunião, disponível no YouTube, entre 1:33:29 e 1:33:41. As partes exaltadas da fala do presidente destacadas pela mídia correspondem à cobrança de um maior engajamento por parte de alguns ministros, sobretudo do ex-ministro Sérgio Moro, na defesa pública dessas bandeiras. Como elas foram somente rapidamente arroladas (com exceção da bandeira “armamento”, enfaticamente defendida pelo presidente) e o sentido da maioria das palavras usadas para significa-las está longe do usual, explico-as abaixo, seguindo a ordem na qual as bandeiras foram mencionadas, com exceção das duas últimas, cuja ordem foi invertida por razões estilísticas.

“Família”. Entenda-se: família heterossexual, branca, de classe média ou alta. O modelo é a família Bolsonaro.

“Deus”. Refere-se principalmente ao Deus ciumento e vingativo do Velho Testamento, que manda pragas para os povos que não são o escolhido. O Jesus caridoso dos Evangelhos que se alinha aos pobres é deixado de lado. Do Novo Testamento, valoriza-se somente o versículo de João 8:32—“conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, a “verdade” denotando, “acima de tudo”, o J. Messias; e o Apocalipse, que anuncia a vinda próxima de um novo messias que vai comandar o extermínio violento dos infiéis.

“Brasil”. Esta é a bandeira mais difícil de ser compreendida porque por “Brasil” não se entende o que aprendemos nos livros de história e geografia. Refere-se a uma ideia de nação formada por um “povo” que não corresponde à totalidade da população brasileira. O presidente fez algumas referências a “povo” na reunião que nos ajudam a entender o que significa com a palavra: “estão humilhando o nosso povo” (referindo-se a algemas colocadas em alguém que insistiu em desobedecer à norma sanitária local); “quero que o povo se arme”; “nós temos o povo a nosso lado”. Essas afirmações sugerem que por “povo” entende somente cerca de 25% da população brasileira, ou seja, os bolsonaristas como os que vestem a camisa amarela da CBF e vão todo domingo, desrespeitando as normas de isolamento social, à praça dos Três Poderes em Brasília pedir o fechamento dos dois poderes não presididos pelo “mito”. Exclui os povos indígenas, os de descendência oriental e africana, e os chamados “comunistas”. Esses incluem não somente os simpatizantes da ideologia marxista, mas todos os indivíduos originários da tradição ocidental cristã que não compartilham as seis bandeiras em pauta, isto é, não formam a família tradicional, não creem no Deus do Velho Testamento, etc. O modelo é a Alemanha nazista. Quando os nazistas alemães se referiam a “povo alemão”, não incluíam os judeus alemães, ainda que nascidos na Alemanha e formalmente cidadãos alemães, nem os “comunistas”. No âmbito geográfico, assim como os nazistas alemães não pensavam a “nação alemã” delimitada pelas fronteiras do país na época, por “Brasil” tampouco se deve entender a delimitação territorial do país, pois há uma relação umbilical com os grotões ultraconservadores dos Estados Unidos da América, atualmente no poder sob a administração do “tio” Trump.

“Armamento”. Em primeiro lugar para as milícias, em segundo para os “cidadãos de bem”, denominação alternativa a “povo” (no sentido explicado acima). Essas armas podem ser usadas contra os “comunistas” (no sentido acima) caso resistam ao novo Brasil que resultará da implementação das bandeiras. O modelo é o velho oeste norte-americano tal como retratado nos filmes de Hollywood, especialmente aqueles em que há grande matança de índios e enforcamentos em praça pública.

“Livre comércio”. Em primeiro lugar para as milícias venderem “gatos” de televisão a cabo, botijões de gás, apartamentos em prédios precários construídos sem fiscalização em terrenos invadidos e “segurança” privada. Em segundo para os empreendedores “homens de bem” poderem livremente explorar trabalhadores sem regulações sociais e recursos naturais sem regulações ambientais. O modelo é Rio das Pedras, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro.

“Liberdade de expressão”. Em primeiro lugar, para a produção e disseminação massiva de fake news em redes sociais que atinjam adversários políticos. Em segundo, para a expressão de opiniões contrárias aos direitos humanos e às instituições democráticas. Em terceiro, para a vociferação de palavrões. Exclui a liberdade de exprimir opiniões contrárias ao governo e suas bandeiras. Não inclui sequer esta crônica, embora de evidente utilidade pública. O modelo é poder livremente expressar: “cala a boca! se não, morreu!”.

Fonte: Jornal GGN

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