Passou despercebida uma das mais importantes
declarações do presidente da república na reunião ministerial do 22 de abril.
Trata-se da lista que faz das bandeiras do governo. A menção ocorre no trecho
do vídeo da íntegra da reunião, disponível no YouTube, entre 1:33:29 e 1:33:41.
As partes exaltadas da fala do presidente destacadas pela mídia correspondem à
cobrança de um maior engajamento por parte de alguns ministros, sobretudo do
ex-ministro Sérgio Moro, na defesa pública dessas bandeiras. Como elas foram
somente rapidamente arroladas (com exceção da bandeira “armamento”,
enfaticamente defendida pelo presidente) e o sentido da maioria das palavras
usadas para significa-las está longe do usual, explico-as abaixo, seguindo a
ordem na qual as bandeiras foram mencionadas, com exceção das duas últimas,
cuja ordem foi invertida por razões estilísticas.
“Família”.
Entenda-se: família heterossexual, branca, de classe média ou alta. O modelo é
a família Bolsonaro.
“Deus”.
Refere-se principalmente ao Deus ciumento e vingativo do Velho Testamento, que
manda pragas para os povos que não são o escolhido. O Jesus caridoso dos
Evangelhos que se alinha aos pobres é deixado de lado. Do Novo Testamento,
valoriza-se somente o versículo de João 8:32—“conhecereis a verdade e a verdade
vos libertará”, a “verdade” denotando, “acima de tudo”, o J. Messias; e o
Apocalipse, que anuncia a vinda próxima de um novo messias que vai comandar o
extermínio violento dos infiéis.
“Brasil”. Esta é a
bandeira mais difícil de ser compreendida porque por “Brasil” não se entende o
que aprendemos nos livros de história e geografia. Refere-se a uma ideia de
nação formada por um “povo” que não corresponde à totalidade da população
brasileira. O presidente fez algumas referências a “povo” na reunião que nos
ajudam a entender o que significa com a palavra: “estão humilhando o nosso
povo” (referindo-se a algemas colocadas em alguém que insistiu em desobedecer à
norma sanitária local); “quero que o povo se arme”; “nós temos o povo a nosso
lado”. Essas afirmações sugerem que por “povo” entende somente cerca de 25% da
população brasileira, ou seja, os bolsonaristas como os que vestem a camisa
amarela da CBF e vão todo domingo, desrespeitando as normas de isolamento
social, à praça dos Três Poderes em Brasília pedir o fechamento dos dois
poderes não presididos pelo “mito”. Exclui os povos indígenas, os de
descendência oriental e africana, e os chamados “comunistas”. Esses incluem não
somente os simpatizantes da ideologia marxista, mas todos os indivíduos
originários da tradição ocidental cristã que não compartilham as seis bandeiras
em pauta, isto é, não formam a família tradicional, não creem no Deus do Velho
Testamento, etc. O modelo é a Alemanha nazista. Quando os nazistas alemães se
referiam a “povo alemão”, não incluíam os judeus alemães, ainda que nascidos na
Alemanha e formalmente cidadãos alemães, nem os “comunistas”. No âmbito
geográfico, assim como os nazistas alemães não pensavam a “nação alemã”
delimitada pelas fronteiras do país na época, por “Brasil” tampouco se deve
entender a delimitação territorial do país, pois há uma relação umbilical com
os grotões ultraconservadores dos Estados Unidos da América, atualmente no
poder sob a administração do “tio” Trump.
“Armamento”. Em
primeiro lugar para as milícias, em segundo para os “cidadãos de bem”,
denominação alternativa a “povo” (no sentido explicado acima). Essas armas
podem ser usadas contra os “comunistas” (no sentido acima) caso resistam ao
novo Brasil que resultará da implementação das bandeiras. O modelo é o velho
oeste norte-americano tal como retratado nos filmes de Hollywood, especialmente
aqueles em que há grande matança de índios e enforcamentos em praça pública.
“Livre
comércio”. Em primeiro lugar para as milícias venderem “gatos” de
televisão a cabo, botijões de gás, apartamentos em prédios precários
construídos sem fiscalização em terrenos invadidos e “segurança” privada. Em
segundo para os empreendedores “homens de bem” poderem livremente explorar
trabalhadores sem regulações sociais e recursos naturais sem regulações
ambientais. O modelo é Rio das Pedras, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro.
“Liberdade
de expressão”. Em primeiro lugar, para a produção e disseminação
massiva de fake news em redes sociais que atinjam adversários
políticos. Em segundo, para a expressão de opiniões contrárias aos direitos
humanos e às instituições democráticas. Em terceiro, para a vociferação de
palavrões. Exclui a liberdade de exprimir opiniões contrárias ao governo e suas
bandeiras. Não inclui sequer esta crônica, embora de evidente utilidade
pública. O modelo é poder livremente expressar: “cala a boca! se não, morreu!”.
Fonte:
Jornal GGN
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