quarta-feira, 17 de junho de 2020

POR UMA CULTURA DE SEGURANÇA DIGITAL PARA JORNALISTAS, POR RICARDO JOSÉ TORRES




Em 11 de maio de 2020 defendi minha tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR). Nesse comentário abordo brevemente alguns aspectos do trabalho que desenvolvi ao longo dos últimos quatro anos. Os resultados alcançados corroboram com a hipótese de que no contexto atual, de vigilância comunicacional em meios digitais, jornalistas investigativos precisam ter um senso permanente de sua vulnerabilidade e devem adotar medidas de segurança digital.

Em um contexto nocivo para a prática jornalística, os profissionais que desenvolvem investigações sobre temas sensíveis enfrentam possibilidades de intervenção relacionadas à vigilância das comunicações, interceptação e armazenamento de dados pessoais, e a intrusão em ações jornalísticas no ecossistema digital. Para identificar potencialidades e vulnerabilidades desse ecossistema examinei ações que envolvem o jornalismo investigativo, identifiquei casos concretos e ações jornalísticas relacionadas às diferentes formas de vigilância digital, entrevistei jornalistas e apliquei questionários.

A pesquisa aborda ações que estão sendo desenvolvidas, assim como lacunas e problemáticas que envolvem a vigilância digital, o vazamento de dados e o acesso às novas fontes de informação no ambiente digital. São identificadas práticas jornalísticas relevantes em matéria de vigilância das comunicações, aspectos negligenciados pelos jornalistas, ferramentas e condutas para minimização da intrusão comunicacional, e apresentadas inúmeras percepções e experiências que demonstram a relevância do tema e a necessidade de uma cultura de segurança digital para jornalistas a partir de medidas de contravigilância.

Ao explorar as particularidades da relação entre o jornalismo e a vigilância, emergem os elementos de tensão entre o papel de vigilante dos jornalistas na sociedade e o fato de estarem sendo vigiados. Para tratar disso desenvolvi a noção de “jornalismo vigilante”, que evidencia as características particulares da atuação dos profissionais diante da vigilância massiva dos meios digitais por governos e corporações. Também formulei uma equação simplificada para situações de exposição e vulnerabilidade iminentes que envolve três elementos (riscos digitais = ameaças digitais x vulnerabilidades digitais/capacidades digitais).

A partir de quatro etapas distintas que, em síntese, contemplaram o desenvolvimento de uma pesquisa exploratória e revisão bibliográfica, verificação de registros indicados em relatórios de agressões e ataques a jornalistas, entrevistas em profundidade com seis profissionais e aplicação de uma survey que contou com a participação de mais de 70 jornalistas, o estudo demonstra mudanças na investigação jornalística no ambiente digital e a necessidade de apropriação de novos métodos.

Dentre as inúmeras vulnerabilidades apontadas, destacam-se o desconhecimento sobre as possibilidades de vigilância, a desinformação sobre as formas de mitigação de riscos, a exposição digital voluntária e involuntária dos profissionais e de suas investigações. As potencialidades evidenciadas foram: as possibilidades de compartilhamento de informações e colaboração, a facilidade de acesso a distintas formas de comunicação digital e a disponibilização de bancos de dados que subsidiam a apuração.

A percepção dos jornalistas vigilantes

Ao mesmo tempo em que os profissionais percebem que os seus dados estão expostos, eles destacam a necessidade essencial de preservar essas informações, suas comunicações e fontes. A maioria dos participantes da pesquisa expressou preocupação com a possibilidade de vigilância das comunicações digitais. Como aponto no estudo, essa percepção pode se desdobrar em formas de cerceamento e constrangimento com consequências significativas nas abordagens e na revelação de informações de interesse público.

As formas de vigilância onipresentes geram consequências políticas que podem ter grande alcance e impacto. A vigilância digital não é um fator remoto, mas uma realidade que afeta diretamente o trabalho de jornalistas, particularmente os que abordam temas sensíveis. Ao mesmo tempo, as comunicações e ferramentas digitais são cada vez mais importantes para a apuração jornalística e a segurança digital se apresenta como uma necessidade urgente e crucial.

A pesquisa demonstra uma paisagem crítica para atuação dos jornalistas e aborda problemáticas como a “vigilância digital odienta”, que trata das ameaças e constrangimentos que emergem das possibilidades comunicacionais e interativas disponibilizadas pelo ambiente digital demonstrando que essa prática afeta os jornalistas e consequentemente o trabalho que desenvolvem. Desdobramentos danosos e consequências nocivas desses episódios estão sendo desconsiderados ou precariamente delineados. Atualmente, essa modalidade de ataque pode ser considerada uma forma de limitação e controle da atividade jornalística.

Destaca-se o alto índice de desconhecimento das possibilidades de mitigação de riscos digitais apontado na pesquisa. Esse fator demonstra a necessidade de disseminação dos recursos oferecidos por esse tipo de capacidade para atuação em ambientes digitais nocivos. Abordagens e técnicas para proteção e mitigação da vigilância digital apresentam-se como uma necessidade. Os resultados alcançados apontam que a falta de acesso às informações e aos conhecimentos relacionados aos riscos e às possibilidades digitais é a principal vulnerabilidade enfrentada pelos jornalistas na atualidade.

Em breve a tese estará disponível aqui no site do objETHOS e no repositório da Biblioteca Universitária da UFSC.

Ricardo José Torres – Doutor em Jornalismo pelo PPGJOR e pesquisador do objetos

Fonte: Jornal GGN

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