Em 11 de maio de 2020 defendi minha tese de doutorado
no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR). Nesse comentário abordo
brevemente alguns aspectos do trabalho que desenvolvi ao longo dos últimos
quatro anos. Os resultados alcançados corroboram com a hipótese de que no
contexto atual, de vigilância comunicacional em meios digitais, jornalistas
investigativos precisam ter um senso permanente de sua vulnerabilidade e devem
adotar medidas de segurança digital.
Em um contexto nocivo para a prática jornalística, os
profissionais que desenvolvem investigações sobre temas sensíveis enfrentam
possibilidades de intervenção relacionadas à vigilância das comunicações,
interceptação e armazenamento de dados pessoais, e a intrusão em ações
jornalísticas no ecossistema digital. Para identificar potencialidades e
vulnerabilidades desse ecossistema examinei ações que envolvem o jornalismo
investigativo, identifiquei casos concretos e ações jornalísticas relacionadas
às diferentes formas de vigilância digital, entrevistei jornalistas e apliquei
questionários.
A pesquisa aborda ações que estão sendo desenvolvidas,
assim como lacunas e problemáticas que envolvem a vigilância digital, o
vazamento de dados e o acesso às novas fontes de informação no ambiente
digital. São identificadas práticas jornalísticas relevantes em matéria de
vigilância das comunicações, aspectos negligenciados pelos jornalistas,
ferramentas e condutas para minimização da intrusão comunicacional, e
apresentadas inúmeras percepções e experiências que demonstram a relevância do
tema e a necessidade de uma cultura de segurança digital para jornalistas a
partir de medidas de contravigilância.
Ao explorar as particularidades da relação entre o
jornalismo e a vigilância, emergem os elementos de tensão entre o papel de
vigilante dos jornalistas na sociedade e o fato de estarem sendo vigiados. Para
tratar disso desenvolvi a noção de “jornalismo vigilante”, que evidencia as
características particulares da atuação dos profissionais diante da vigilância
massiva dos meios digitais por governos e corporações. Também formulei uma
equação simplificada para situações de exposição e vulnerabilidade iminentes
que envolve três elementos (riscos digitais = ameaças digitais x
vulnerabilidades digitais/capacidades digitais).
A partir de quatro etapas distintas que, em síntese,
contemplaram o desenvolvimento de uma pesquisa exploratória e revisão
bibliográfica, verificação de registros indicados em relatórios de agressões e
ataques a jornalistas, entrevistas em profundidade com seis profissionais e
aplicação de uma survey que contou com a participação de mais de 70
jornalistas, o estudo demonstra mudanças na investigação jornalística no
ambiente digital e a necessidade de apropriação de novos métodos.
Dentre as inúmeras vulnerabilidades apontadas,
destacam-se o desconhecimento sobre as possibilidades de vigilância, a
desinformação sobre as formas de mitigação de riscos, a exposição digital
voluntária e involuntária dos profissionais e de suas investigações. As
potencialidades evidenciadas foram: as possibilidades de compartilhamento de
informações e colaboração, a facilidade de acesso a distintas formas de
comunicação digital e a disponibilização de bancos de dados que subsidiam a
apuração.
A percepção dos jornalistas vigilantes
Ao mesmo tempo em que os profissionais percebem que os
seus dados estão expostos, eles destacam a necessidade essencial de preservar
essas informações, suas comunicações e fontes. A maioria dos participantes da
pesquisa expressou preocupação com a possibilidade de vigilância das
comunicações digitais. Como aponto no estudo, essa percepção pode se desdobrar
em formas de cerceamento e constrangimento com consequências significativas nas
abordagens e na revelação de informações de interesse público.
As formas de vigilância onipresentes geram
consequências políticas que podem ter grande alcance e impacto. A vigilância
digital não é um fator remoto, mas uma realidade que afeta diretamente o
trabalho de jornalistas, particularmente os que abordam temas sensíveis. Ao
mesmo tempo, as comunicações e ferramentas digitais são cada vez mais
importantes para a apuração jornalística e a segurança digital se apresenta
como uma necessidade urgente e crucial.
A pesquisa demonstra uma paisagem crítica para atuação
dos jornalistas e aborda problemáticas como a “vigilância digital odienta”, que
trata das ameaças e constrangimentos que emergem das possibilidades comunicacionais
e interativas disponibilizadas pelo ambiente digital demonstrando que essa
prática afeta os jornalistas e consequentemente o trabalho que desenvolvem.
Desdobramentos danosos e consequências nocivas desses episódios estão sendo
desconsiderados ou precariamente delineados. Atualmente, essa modalidade de
ataque pode ser considerada uma forma de limitação e controle da atividade
jornalística.
Destaca-se o alto índice de desconhecimento das
possibilidades de mitigação de riscos digitais apontado na pesquisa. Esse fator
demonstra a necessidade de disseminação dos recursos oferecidos por esse tipo
de capacidade para atuação em ambientes digitais nocivos. Abordagens e técnicas
para proteção e mitigação da vigilância digital apresentam-se como uma necessidade.
Os resultados alcançados apontam que a falta de acesso às informações e aos
conhecimentos relacionados aos riscos e às possibilidades digitais é a
principal vulnerabilidade enfrentada pelos jornalistas na atualidade.
Em breve a tese estará
disponível aqui no site do objETHOS e no repositório da
Biblioteca Universitária da UFSC.
Ricardo
José Torres – Doutor em Jornalismo pelo PPGJOR e pesquisador do objetos
Fonte:
Jornal GGN