domingo, 26 de abril de 2020

QUATRO FAMÍLIAS RELATAM A DOR DE PERDER PARENTES PARA A COVID-19




Os números são assustadores. Na contagem divulgada até este sábado (25), 381 mortos. Trezentas e oitenta e uma vidas interrompidas por um inimigo invisível. Não, não são só números. São pessoas. Com filhos, netos, sobrinhos, vizinhos, contas para pagar, um jardim para regar, aquele sonho prometido para daqui a pouco. Ana Cristina tinha três empregos para dar conta de criar sozinha a filha. Djalma era fanático pelo Sport e adorava tocar tambor na roda de samba. José Carlos cuidava da mulher portadora de Alzheimer com tanto amor que ganhou até homenagem. Lenira escreveu o primeiro livro aos 100 anos. É preciso pedir licença à dor para contar as histórias, mostrar os rostos. Remexer nas lembranças carregadas de afetos. Nem todos conseguem. Não nesse momento. O mais difícil é não poder dizer adeus. Ver pela última vez, dar um beijo, se despedir. Na voz de quem sempre esteve perto, o susto de tudo ser tão rápido.

A saudade tem tantos rostos. E silenciou lares tão diversos, de endereços nobres a casas muito humildes, sem água nem esgoto. É certo que os mais velhos são os mais vulneráveis. Mais de 70% das vitimas da covid-19 em Pernambuco tinham idade a partir dos 60 anos. Mas há perdas também na juventude. O marido de Mysleid, o motorista de aplicativo Djalma Ramos, tinha só 38 anos. Homem alto, forte, saudável, trabalhava 12 horas rodando pela cidade. Em um mês, as mortes diárias para o coronavírus cresceram de forma brutal. Foram duas, no dia 25 de março, data do primeiro registro oficial. No balanço da última sexta-feira, o Estado já somava 30 óbitos contabilizados em 24 horas. Para cada uma dessas famílias, a dor extrapola a perda. Ela se potencializa, e isso é algo totalmente novo, na impossibilidade de viver o luto. Pelo menos da forma como sempre fizemos.

Em todos os relatos colhidos nessa reportagem, a pressa na hora do adeus, imposta por questões sanitárias, tem sido a parte mais dura de superar. Não dá tempo de chegarem os primos, os amigos, os netos, o colega de trabalho. Os poucos que podem estar presentes no sepultamento, na maioria das vezes, acompanham de longe. A despedida é de um caixão fechado. A imagem do corpo embalado em um saco plástico, sem flores, sem velas, sem tempo de dizer uma palavra derradeira, fazer uma última oração, torna a despedida incompleta, um peso a mais de se carregar.

“O que é o luto? É o tempo de que o cérebro e o corpo precisam para se estruturar da perda. E este primeiro momento está sendo negado, em função da pandemia, do risco de contaminação. Poder se despedir da pessoa querida é o primeiro passo do processo de habituação que envolve o luto e a superação dele”, explica Luciana Gropo, psicóloga cognitiva e comportamental. Uma alternativa, ela ensina, é cada um criar seu próprio ritual de despedida. “Vivenciar de uma maneira subjetiva essa perda, seja colocando uma foto num lugar de destaque, fazendo uma oração. O importante é tentar encontrar uma forma de deixar o cérebro menos reativo àquele sofrimento.”

Falar também é um caminho. Relembrar as histórias, refazer a trajetória de quem se foi. Quatro famílias concordaram em dividir, mesmo num momento tão difícil, a dor dessa saudade. Até como uma forma de homenagear e tornar mais viva a memória de uma vida inteira.

“É um processo muito violento”

O aniversário de 75 anos do aposentado José Carlos Lins de Queiroz havia sido comemorado no domingo, dia 15 de março, numa pizzaria, com a família. Os sintomas chegaram dois dias depois. Passada uma semana, com a persistência da febre alta, ele foi levado a um hospital particular pela filha, a professora universitária Juliana Fônseca de Queiroz Marcelino, 42. Os exames indicaram uma infiltração no pulmão. Um dos médicos desconfiou de covid-19 e notificou o quadro suspeito à Secretaria Estadual de Saúde, além de solicitar o exame para coronavírus. “Outros médicos que o atenderam chegaram a diagnosticar o caso como gripe. O atendimento cuidadoso desse profissional foi fundamental para já direcionar o tratamento do meu pai”, diz Juliana.

Mesmo com a suspeita, ele foi mandado para casa. Após apresentar uma piora na capacidade de respirar, o aposentado voltou ao hospital já com os dois pulmões comprometidos. O quadro se agravou e, apesar de não ter nenhuma comorbidade ou doença preexistente, José Carlos veio a óbito, quase três semanas após o início dos sintomas.

“É muito violento todo o processo. São muitos medos, muitos fantasmas. Como estive com ele todo o tempo, precisei ficar de quarentena e não pude receber um abraço dos meus filhos. É devastador”, conta a professora. Já na UTI, o aposentado chegou a tomar hidroxicloroquina, medicamento que tem sido alvo de polêmica no tratamento da covid-19. Após o uso da medicação, José Carlos teve duas paradas cardíacas. “Fiquei com a suspeita de que o remédio tenha contribuído para a morte dele. Mas não temos como ter certeza”, relata Juliana.

Uma das recordações mais difíceis do período em que o pai esteve lutando contra a doença foi o momento em que ele recebeu o diagnóstico de que poderia ser um quadro de covid. “Somos evangélicos. Ele era um homem que tinha muita fé, mas ali sentiu o peso da notícia. Ficou abalado. Disse que eu não me preocupasse. Porque ele tinha 75 anos e já havia vivido muito tempo. Foi quando ele falou: ‘Seja feita a vontade de Deus’”, conta, emocionada, Juliana.

José Carlos sempre foi a referência de todos. Forte, saudável, paciente, carregava uma sabedoria que norteava os passos dos filhos. Perdeu o pai ainda adolescente e logo precisou virar arrimo de família. De todas as lembranças que deixou, uma era especial. A de cuidador. Foram 45 anos de casados. E o cuidado com a esposa, portadora de Alzheimer, virou um exemplo para os filhos. “Anotava tudo em planilhas, os remédios, os horários; era ele quem levava mamãe para as consultas médicas. Por onde passava, chamava atenção a dedicação com que cuidava dela”, recorda a filha.

Uma vida dedicada a cuidar dos outros

No dia 27 de março, a auxiliar de enfermagem Ana Cristina Tomé, 52 anos, fez uma fotografia ao lado das companheiras de trabalho no plantão noturno da Policlínica e Maternidade Professor Barros Lima. Ana Cristina é a segunda em pé, da direita para a esquerda, na foto ao lado. Elas posaram para endossar a campanha “Fique em casa”, protagonizada por trabalhadores da saúde que atuam na linha de frente de combate à covid-19. No cartaz, o apelo pelo isolamento social. Foi a última vez que Ana esteve na maternidade.

No dia seguinte, já trabalhando na UPA da Bomba do Hemetério, ela passou mal, com cansaço e falta de ar. Liberada do plantão, foi mandada para casa. Como os sintomas continuaram ainda mais fortes, Ana procurou, quatro dias depois, a UPA de São Lourenço da Mata. Chegou por volta de meio-dia. Foi mandada direto à UTI para ser entubada. Às 15h, estava morta, após sofrer uma parada cardiorrespiratória. A família teve menos de quatro horas para providenciar o enterro. Por volta das 18h30, o corpo de Ana, envolto em um saco plástico e dentro de um caixão fechado, foi sepultado no Cemitério de Camaragibe, cidade onde morava. Apenas sete pessoas da família estavam presentes.

“Na sexta, ela chorou a morte de Betânia. No sábado, foi a vez dela.” A frase é do gerente de supermercado André Tomé, irmão de Ana Cristina. Betânia Ramos, 55, a quem André se refere, também era auxiliar de enfermagem. Trabalhava com Ana no Hospital Getúlio Vargas. Adoeceu e foi levada ao Hospital dos Servidores, onde veio a falecer. Ana só teve o material colhido para exame após a morte. O resultado, confirmando a contaminação, a família só ficou sabendo pela imprensa. Na segunda-feira (6), na coletiva diária feita pelo governo do Estado, o secretário André Longo anunciava, em meio ao balanço diário, a morte das duas auxiliares de enfermagem. Foram as primeiras vítimas da covid-19 entre profissionais de saúde do Estado.

Não ter recebido nenhuma ligação, nenhuma informação por parte das autoridades de saúde, revoltou a família de Ana Cristina. “Nenhuma das três secretarias de Saúde deu importância ao caso dela. Nem a de São Lourenço, onde ele foi atendida; nem a de Camaragibe, para onde mandaram o resultado do teste; nem a do Recife, onde ela trabalhava. Ficamos muito tristes. Não recebemos nenhuma assistência”, afirma André. Ana Cristina tinha uma filha, de 24 anos. A jovem também teve confirmação positiva para covid. Felizmente, os sintomas foram leves e ela está se recuperando. Como as duas moravam juntas, ela agora está sozinha, em casa. Em isolamento social. “Tem sido muito difícil para ela. Porque, além de superar a perda da mãe, não pode receber visitas.”

De todas as dores que carrega, André fala especialmente de uma. “Não pudemos fazer uma homenagem a ela, por toda a dedicação que ela sempre teve no trabalho. Antes de adoecer, ela mandava áudios para a família, orientando sobre a prevenção, dando dicas de como se proteger. Foram 28 anos de carreira na saúde”, destaca o irmão. A homenagem veio das colegas de trabalho. As auxiliares de enfermagem gravaram um vídeo, postado nas redes sociais: “Nós, amigos da Barros Lima, estamos de luto por nossa amada amiga. Ela deixou seu legado, lutando pela vida de tantos. Você nunca será esquecida. Saudades”.

“Acreditem. Essa doença é terrível”

A voz já estava ofegante. “Tô indo para a UTI. A doutora veio agora falar comigo. Disse que vai me transferir porque lá tem mais gente para cuidar de mim. Ela falou para eu não ter medo. Não comenta com mainha que eu vou para a UTI, não, visse? A médica explicou que o oxigênio do meu sangue está baixando. Mas não fica preocupada, não. Tá tudo certo.”

Foram dois áudios gravados e enviados na noite da sexta-feira, dia 17 de abril, para a esposa, Mysleid Gonçalves, 41 anos. Naquele mesmo dia, o motorista de aplicativo Djalma Ramos, 38, havia sido internado no Hospital Oswaldo Cruz, com cansaço, dificuldade de respirar, após dias de febre e dores no corpo. Chegou com uma equipe do Samu. A coleta para a testagem do coronavírus foi feita na porta do hospital, quando ele ainda estava na ambulância. Mysleid, o tempo todo ao lado de Djalma. 
“Internaram logo ele. Foi a última vez que vi meu marido vivo”, conta. No dia seguinte, no sábado, já na UTI, o motorista foi entubado. Dois dias depois, na segunda-feira (20), teve uma parada cardíaca e não resistiu.

Mysleid conversou com o JC na noite da última quarta-feira, no dia seguinte ao enterro do marido. Ainda sem chão, sofria por não ter conseguido sequer despedir-se, nem mesmo depois da morte. “Eu nem pude vê-lo. Esse vírus não mata só a pessoa. Mata a família, os amigos. Ele foi enterrado num saco branco, tive que ficar de longe no sepultamento.” Quando fala do marido, ela lembra a paixão dele pelo Sport Club do Recife e o gosto pelas rodas de samba. “Ele adorava tocar, gostava de música, amava a vida.”

Djalma era motorista de aplicativo há dois anos. Entrou na atividade depois de ficar desempregado. Já tinha conquistado uma lista grande de clientes fixos e isso era um motivo de orgulho para ele e a esposa. “As mães confiavam nele para levar os filhos na escola, no médico. Era uma pessoa muito boa, trabalhadora. Fazia amizade com todos os clientes.” Quando a pandemia começou a somar vítimas, ele ficou extremamente preocupado. Pensou em deixar de rodar, mas dependia das corridas para sustentar a família. “Como a gente ia fazer para comer? Pagar o aluguel? Ele estava tomando todas as precauções, usando álcool em gel no carro. Estava seguro de que nunca ia pegar esse vírus”, conta.

Uma semana antes de ser internado na UTI, Djalma começou a sentir febre alta. Peregrinou por UPAs lotadas. Após horas de espera, era medicado e sempre mandado de volta para casa. Chegou a pagar consulta particular, quando o quadro se agravou muito. “É uma dor sem fim. Acreditem. Essa doença é terrível. Ela destrói a pessoa. Meu marido era forte, saudável, um homem de muita garra. Lutou muito para continuar vivendo.”

102 anos de muito amor e apego à vida

Lenira Sales de Azevedo e Silva sempre gostou de ler. Lia o jornal todos os dias, deitada na rede, sem precisar de óculos, como fazia questão de ressaltar. Gostava também de escrever. Aos 100 anos, publicou seu primeiro e único livro, contando a história de sua família. Já tinha essa idade, quando pegou a estrada para votar na eleição para presidente da República, em 2018. Moradora do Recife, foi aplaudida na sessão eleitoral onde votava, em Bezerros, sua cidade natal, no Agreste do Estado. 
“Fizeram questão de fazer fotos com ela”, conta, orgulhosa, a filha Ana d’Azevedo, 62. Vovó Lenira ou Tia Lenira, como sempre a chamavam, tinha uma saúde perfeita. “O coração dela era melhor do que o de muito jovem de 20 anos”, emenda a filha. No dia 13 de abril, a vitalidade e a energia de uma vida inteira perderam a batalha para o coronavírus. Dona Lenira havia completado 102 anos, exatamente um mês antes.

A contaminação, a família acredita, ocorreu no hospital. É que cerca de dez dias após o aniversário, ela levou uma queda, enquanto separava o lixo reciclável de casa. Quebrou o fêmur e precisou passar por uma cirurgia. A operação foi um sucesso. Voltou para casa disposta e com boa recuperação. A preocupação surgiu quando ela começou a dar sinais de indisposição, sem vontade de ler o jornal de todo dia. Quando a família decidiu levá-la para o hospital, a recuperação já foi mais lenta, ela terminou sendo transferida de unidade e logo em seguida foi para a UTI. “Os médicos acharam que podia ser o vírus. A partir do momento que coletaram amostra para o exame, não pude mais visitá-la”, conta o neto João Paulo.

Guerreira, dona Lenira resistiu por nove dias. “Ela não melhorava, mas também não piorava. Isso nos enchia de esperança. Porque ela sempre foi muito apegada à vida. Se não fosse o vírus, teria vivido mais uns bons anos”, diz João Paulo. A despedida marcou o neto profundamente. “Foram só quatro familiares no sepultamento. Isso foi o pior. Pelo tanto que ela era querida, foi um enterro muito solitário. Ela era uma mulher de muita religiosidade. Se fosse em outro momento, dezenas de pessoas estariam lá para prestar as homenagens que ela tanto merecia.”

Fonte: JCNE10

NOTA INFORMATIVA SOBRE O CORONAVÍRUS EM GARANHUNS




A Secretaria Municipal de Saúde, por meio da Vigilância Epidemiológica, informa que nenhum caso de Covid-19 foi registrado neste sábado (25), em Garanhuns. Atualmente, o município possui 10 casos confirmados, sendo registrados entre os bairros Boa Vista, Aloísio Pinto, São José, Magano, Cohab II, Heliópolis e Centro.

Ao todo, 18 casos da doença já foram descartados, e quatro pessoas seguem em isolamento, aguardando o resultado de testagem pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE), para posterior confirmação ou descarte da Covid-19.

A Secretaria de Saúde reforça o pedido para que a população permaneça em casa! Se for necessário sair, faça o uso de máscara, lembrando também dos cuidados com a higiene. Todos aqueles que não estão envolvidos com os serviços essenciais devem cumprir as medidas de distanciamento social, de acordo com as orientações das autoridades sanitárias.

Fonte: Secom

CIDADES DO AGRESTE MERIDIONAL SAEM DO RODÍZIO E PASSAM A RECEBER ÁGUA NAS TORNEIRAS TODOS OS DIAS




Após severo período de estiagem, o cenário hídrico do Agreste Meridional começou a mudar com as últimas chuvas que caíram na região. Os volumes acumulados em barragens como Prata, Riacho da Palha e Lamarão permitiram que a Compesa volte a abastecer a população de Saloá, Lagoa do Ouro e Águas Belas diariamente. Em Bom Conselho, a oferta de água foi ampliada e o rodízio foi cortado pela metade.

Saloá saiu do rodízio e está recebendo água 24h, todos os dias, após a Barragem da Prata, que tem aproximadamente 161 mil metros cúbicos, recuperar 97% do seu volume. A cidade de Bom Conselho teve o calendário reduzido de seis dias com água e seis dias sem para 3 com X 3 sem, desde que a barragem Caboge, que tem capacidade total de 153 mil metros cúbicos, acumulou 95%, o que equivale a 145 mil metros cúbicos.

Lagoa do Ouro, que era abastecida em um regime de dois dias com água e quatro dias sem, saiu do rodízio e está com água 24h, assim como Brejão, que saiu do rodízio de 3 dias com água e 3 dias sem. Os municípios recebem água das barragens de Riacho Palha e Tatuaçú, respectivamente. A barragem de Riacho da Palha está com 100% do seu volume total de 18,5 mil metros cúbicos. Já a barragem de Tatuaçú alcançou 56,5 mil metros cúbicos, o que representa 80% da sua capacidade total, que é de 70 mil.

Águas Belas voltou a ser atendida via rede de distribuição. Abastecida por caminhões-pipa desde novembro de 2019, a cidade está recebendo água em um calendário de três dias com e seis dias sem, desde que a barragem de Lamarão, com capacidade total de 120 mil metros cúbicos, recuperou 40% do seu volume, o equivalente a 48 mil metros cúbicos.

“Atendendo a orientação da presidente Manuela Marinho, agimos com rapidez para recuperar os sistemas de abastecimento das cidades e para ampliar o funcionamento daqueles em que a oferta era menor. Conseguimos tirar três cidades do rodízio de abastecimento e os moradores estão contando com água nas torneiras todos os dias. Em meio à pandemia do novo coronavírus, é muito importante para manter a higienização das mãos e da casa e, assim, minimizar os riscos de contágio”, ressalta o gerente da Unidade de Negócios da Compesa, Aldo Brasileiro.

Fonte: Jardim do Agreste

sábado, 25 de abril de 2020

BRASIL PRECISA SE CURAR DO BOLSONARISMO, POR HENRIQUE FONTANA




Ao completar praticamente um terço de seu mandato, Jair Bolsonaro já havia comprovado à exaustão seu despreparo e sua incompetência para exercer o cargo que ocupa. Agora, após a entrevista do demissionário ministro Sergio Moro, sua permanência no cargo se tornou ainda mais insustentável, a partir das acusações de aparelhamento da Polícia Federal e de falsidade ideológica no ato de demissão do diretor-geral Maurício Valeixo.

Razões para o seu afastamento já existiam. Nestes dezesseis meses, sua ação limitou-se a agravar as condições de vida do nosso povo e semear o ódio entre os brasileiros como estratégia de governo, com uma postura avança-e-recua e a difusão de mentiras grosseiras através de sua rede digital composta de robôs e de fanáticos seguidores, coordenados pelo chamado “gabinete do ódio”. Nomeou figuras irrelevantes e medíocres para seu ministério, cercou-se de militares que assumem o caráter antinacional de seu governo e, o que é pior, buscam de forma vergonhosa partidarizar as Forças Armadas que pertencem a todos os brasileiros.

Bolsonaro cometeu e comete uma infinidade de crimes de responsabilidade passíveis de perda de mandato, hostiliza as instituições, afronta os poderes, ofende nações com as quais o Brasil mantém relações comerciais estratégicas para nossa economia, agride permanentemente o pensamento científico e as universidades, e ataca permanentemente o trabalho dos jornalistas e a liberdade de imprensa.

Este quadro já era observado antes da pandemia, quando o projeto ultraliberal capitaneado por Paulo Guedes empurrava o país para uma crise sem precedentes, a economia derretendo, os trabalhadores perdendo empregos e sendo empurrados para a incerteza da informalidade e da precarização, as populações mais vulneráveis sendo jogadas à pobreza extrema sem o amparo de políticas sociais, que estão sendo destruídas a passos largos.

A tragédia do coronavírus evidenciou de forma inapelável a catástrofe que representa o governo Bolsonaro/Mourão para o país, seu desapreço pela vida humana, seu desprezo pelos interesses nacionais e seu desapego à democracia. A conduta do presidente diante da pandemia é espantosa. Sabota reiteradamente os procedimentos necessários para preservar a saúde pública. Exemplo disso é o permanente ataque que faz ao necessário isolamento social. Não apresentou um plano viável e transparente sobre a ampliação do número de leitos de UTI com respiradores, bem como de leitos para internações. Não providenciou a tempo a compra de testes para mapear a evolução da pandemia. Relaxou na compra em tempo hábil dos equipamentos de  proteção individual indispensáveis para os trabalhadores da área da saúde e aos outros que se submetem a esses ambientes.

Essa postura nefasta, por certo, não será esquecida pelo povo brasileiro, especialmente pelas famílias das milhares de vítimas fatais. Antes da covid-19, o país já fora infectado pela doença desagregadora, autoritária e desumana do bolsonarismo, e dela é preciso se curar, caso contrário o futuro do Brasil estará irremediavelmente contaminado.

Não se acuse a oposição de tramar contra Bolsonaro. Durante esses trágicos dezesseis meses, ao mesmo tempo em que criticou sua postura de governante e o projeto que representa, a oposição apresentou projetos sérios para a retomada do crescimento, através de investimentos públicos, da retomada das políticas sociais e de alterações tributárias que podem dotar o país de receitas importantes – e que se tornaram ainda mais urgentes durante a pandemia. Em nome dos valores democráticos, a oposição foi tolerante até o limite. Procurou esclarecer setores induzidos ao erro, que inicialmente se deixaram seduzir pelo “mito”, sobre o que de fato este mito representava na vida real. Muitos desses setores abandonaram o bolsonarismo, mas Bolsonaro ainda mantém uma base bastante impermeável aos argumentos da racionalidade e reage com um autoritarismo e uma violência cada vez maiores. Resta saber como essa base reagirá às denúncias do ex-ministro Moro.

Hoje, cada vez mais brasileiros percebem que o governo Bolsonaro/Mourão faz mal ao país. Pelo bem do Brasil, essa tragédia precisa terminar o quanto antes.

Henrique Fontana é Deputado federal (PT-RS)

Fonte: Jornal GGN