Bolsonaro está correto. Calma! Antes de explicar o porquê
de meu vaticínio preciso desenvolver o raciocínio que me permitiu concluir
isso.
A epidemia de COVID-19 iniciada em Wuhan e que se
transformou em pandemia possui características moduladas pela ciência. Embora
seja uma doença nova pois o agente infeccioso (SARS-COV-2) é um coronavírus
novo na espécie humana, a ciência o identificou em 3 semanas e mapeou seu
genoma em menos de 3 meses após o primeiro caso. Isso é um feito
extraordinário. Lembro que outras doenças levaram anos e as vezes décadas para
que essas informações fossem esclarecidas.
No dia 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS)
decretou que o surto de COVID-19 em Wuhan virara uma pandemia. A partir daí,
por modulações matemáticas e experiências epidemiológicas anteriores
percebeu-se que o isolamento social seria a abordagem correta visto que não há,
até o momento, vacina ou droga eficaz contra a virose. Outro ponto importante:
o vírus revelou uma capacidade de proliferação muito grande e uma especial
capacidade de colapsar os sistemas de saúde de países que o recebiam com uma
rotina normal. Em colapso, os sistemas de saúde de França, Itália, Espanha,
Inglaterra e Nova York devolveram casos graves da doença e viram a mortalidade
disparar.
Aqui começo a explicar a análise correta de Bolsonaro.
Ele vem dizendo abertamente que “todos devem ser infectados”. Na entrevista do
quadradinho do Palácio da Alvorada nesta segunda (20 de abril) ele falou em
alto e bom som que “70% dos brasileiros vão pegar, não tem jeito”. E ele está
certíssimo.
Apenas faltou uma explicação: Bolsonaro pensa a
COVID-19 de forma linear. A doença não responde a um sistema linear. Ela tem
características caóticas que a aproximam de um sistema complexo. Senão vejamos:
1 – Ela é dinâmica, ou seja, seu comportamento muda ao
longo do tempo e muda com as condições que encontra para seu desenvolvimento.
Para exemplificar a taxa de infectividade e a de mortalidade da COVID-19 muda
com o lugar e com o tempo depois que ela se instala.
2 – A COVID-19 não é linear. Isso significa que ela
reage de forma não proporcional às perturbações impostas na tentativa de seu
controle. Percentual de idosos, número de leitos de UTI disponíveis, resposta
imune da população, nível de saneamento, quantidade de profissionais de saúde
disponíveis, são alguns elementos variáveis que afetam os indicadores da
doença.
3 – A doença é sensível às perturbações externas. Na
prática, reduzir 50% a circulação de pessoas em uma cidade impacta o fluxo
epidemiológico da COVID-19 de forma significativa.
Essas três características definem a pandemia de
COVID-19 como um sistema caótico e, por consequência, complexo. A ciência já
sabe disso pois o pouco de ordem que temos no mundo se deve à interferência
humana que, à partir de vestígios de ordem no caos predominante, ordena os
sistemas às suas necessidades.
Dessa forma, 70% dos brasileiros, como disse Bolsonaro,
irão contrair COVID-19. Entretanto, ela pensa a doença como um sistema linear e
não complexo de forma proposital. Induzir o rompimento do isolamento é a
maneira mais rápida de fazer com que 70% dos brasileiros contraiam o vírus.
Isso implicará em efeitos de primeira, segunda e terceira ordens.
O efeito de primeira ordem é, ao romper o isolamento,
um grande contingente de brasileiros contrairá a COVID-19 em um curto espaço de
tempo. A doença tem taxa de mortalidade média de 2%. Mas aí, surgem os efeitos
de segunda ordem: muita gente doente ao mesmo tempo faz o sistema de saúde
entrar em colapso e muitas pessoas doentes que procuram o hospital, voltam para
casa pela ausência de vagas. Isso eleva a mortalidade para 10%, como ocorreu na
Itália. Muitas pessoas morreram em casa e os familiares tiveram que conviver
dias com os corpos até o sistema funerário coletá-los.
Mas não para aí: irão
surgir os efeitos de terceira ordem, afinal, estamos falando de um sistema
complexo, caótico e não linear. Dentre esses efeitos, muita gente infectada
dentro de hospitais abarrotados fazem com que profissionais de saúde contraiam
a doença e sejam colocados na condição de pacientes. Alguns irão morrer, outros
irão passar 2 semanas afastados do trabalho. Nesse momento a taxa de
mortalidade chega a 18%, como na Lombardia.
O grave dessa exposição rápida para que a população
atinja a imunidade de rebanho – quando 80% ou mais da população contrai
imunidade por vacina ou cura – é que o sistema de saúde colapsado também
deixará de atender a gestante que precisa de uma cesárea, um pessoa que sofreu
AVC ou infarto, outra que tem um apêndice supurado, ou por falta de vagas ou
falta de profissionais de saúde doentes.
Bolsonaro está correto: 70% dos brasileiros irão
contrair a doença. Mas a luta travada, atualmente, é para que isso seja diluído
ao longo dos meses para não gerar colapso no sistema de saúde e, com isso,
reduzir a mortalidade. Além do mais não está claro se uma pessoa pode ou não
positivar após a cura. A Coreia já registrou 179 casos de pessoas que curaram
da COVID-19 e voltaram a positivar seus exames, portanto tornaram-se potenciais
transmissores.
O Presidente sabe disso. E por que insistir na defesa
da quebra do isolamento para salvar o emprego e a economia? A resposta também é
complexa. Bolsonaro tem cerca de 25% do eleitorado brasileiro fidelizado. Ele
precisa de mais percentual para se sustentar. A economia mundial entrará em
recessão e o Brasil, por não ser uma ilha, irá junto. A China já anunciou um
encolhimento do PIB de mais de 6% nesse último trimestre. Com os países
importadores do Brasil em recessão e comprando menos, nós estaremos no mesmo
barco com desemprego chegando a possíveis 20 milhões de brasileiros e
informalidade a possíveis 45 milhões. Seremos um país de desempregados e
informais. Bolsonaro sabe disso.
Então, sair na contramão do mundo contra o isolamento é
se posicionar como defensor dos pobres e desempregados. Mais ainda, é se
posicionar como defensor dos empresários e do emprego. Apenas aí em, talvez,
consiga ampliar seu apoio para próximo de 40%. Não importa se, para isso, 800
mil brasileiros morrerem nos próximos 10 meses. Afinal, serão apenas 0,4% da
população.
O governo federal, de forma proposital, não agiu no
final de janeiro comprando testes, EPIs e montando a estrutura de marketing e
logística para enfrentar a pandemia que chegaria ao Brasil. Sabia que, no caos
gerado pela pandemia, poderia aprovar a PEC 10/2020 permitindo que o Banco
Central compre a carteira da dívida privada de bancos e empresas, protegendo os
especuladores, banqueiros, rentistas e grandes empresários e injetando mais de
R$ 1 trilhão nesse sistema de lucros já exorbitantes. Sabia que, assumindo um
papel oposto ao dos governadores, estaria jogando no colo destes a conta do
desemprego e do fracasso econômico.
O incrível é que o jogo político atrelado ao grande
capital, embora cruel, sempre se reinventa. Apenas em 2020 o Brasil pagará R$
1,9 trilhões (50,7% do Orçamento Federal) de juros, amortizações e parcelas da
dívida pública. Com apenas 4 meses de moratória, o Governo Federal poderia
dispor de R$ 630 bilhões para garantir renda aos trabalhadores e capital de
giro para micro, pequenas e médias empresas suportarem a quarentena – sem
necessidade da PEC 10/2020. Mas, para essa turma, sai mais barato expor a
população ao coronavírus e correr o risco de matar 800 mil brasileiros –
preferencialmente pobres e velhos – que se indispor com o grande capital.
Assim, Bolsonaro que nasceu do caos, volta ao caos,
removendo o único fragmento de ordem que a COVID-19 nos deixou à disposição: o
isolamento social.
Prof.
Dr. Paulo Henrique Pinheiro – Mestre e Doutor em
Imunologia. Professor da UESPI
Fonte:
Jornal GGN