quarta-feira, 6 de maio de 2020

A TRAGÉDIA ANUNCIADA DO COVID-19, POR FRANCISCO R. FUNCIA




O ano de 2020 começou com a surpreendente pandemia do novo coronavírus: iniciada na China, invadiu rapidamente outras nações em vários continentes e expôs as fragilidades das políticas econômicas e sociais dos países que não priorizam os investimentos em saúde pública, no contexto das políticas de austeridade fiscal.
No cenário internacional, o Brasil tem se diferenciado pela estratégia equivocada de combate à pandemia. O governo federal está perdendo de goleada o combate contra o Covid-19: chegamos ao final de abril com 85.380 casos confirmados e 5.901 mortes.[ii]

O presidente Bolsonaro é responsável pelo agravamento dessa crise sanitária, pois minimiza até hoje os riscos e a letalidade do coronavírus, apesar das fartas evidências do cenário internacional, especialmente dos casos de EUA, Itália e Espanha. Contrário à opinião dos especialistas em saúde coletiva, afirmou que se trata de “uma gripezinha”, criticando o técnico do seu time (Ministro da Saúde) e os governadores e prefeitos por decidirem jogar na retranca (adotando o isolamento social) como meio de enfrentar a pandemia (diante da falta de leitos de UTI e outros equipamentos nos hospitais, kits para testagem em massa, equipamentos de proteção individual para os trabalhadores da saúde e de uma estrutura produtiva brasileira e mundial para atender à demanda mundial por esses produtos em um espaço tão curto de tempo).

Numa “canetada”, Bolsonaro demitiu seu técnico e convidou um novo, inexperiente e despreparado, que nunca dirigiu em time de primeira divisão (o SUS) para atuar em um cenário de calamidade pública. Sua missão não foi a de proteger a saúde e salvar a vida dos brasileiros, mas de justificar o abandono do isolamento social, independentemente do crescimento da velocidade de contaminação do vírus.

De técnico que coordena as ações para enfrentar o adversário, o Ministro da Saúde assumiu o cargo com discurso de narrador do evento coronavírus. Falou sobre as incertezas e a complexidade da situação, dos riscos da pandemia e anunciou o aumento do número de casos e de mortes decorrentes do Covid-19. Ao invés de orientar ou informar sobre as diretrizes da nova gestão, narrou os acontecimentos. Se pelo menos fosse comentarista, conseguiria explicar a tática e a estratégia de combate ao novo coronavírus.

Suas medidas são lentas e insuficientes para contribuir com as ações dos secretários estaduais e municipais de saúde, que estão na linha de frente, junto com os trabalhadores do SUS, do enfrentamento do Covid-19 da imensa maioria das unidades do SUS; o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) estão atônitos com essa postura errática, que demonstra desconhecer a lógica operacional do SUS, cuja gestão é descentralizada e tripartite.

Essa situação pode ser demonstrada com as informações oficiais da aplicação dos recursos destinados ao combate à pandemia (há uma ação orçamentária específica para essas despesas) que constam do último Boletim Cofin (CNS): [iii]

(a) o Ministério da Saúde foi inicialmente autorizado a realizar um remanejamento interno de recursos orçamentários, ou seja, não houve aplicação de “dinheiro novo” até o final do mês de março;

(b) os recursos orçamentários do Ministério da Saúde para o combate à pandemia totalizavam R$ 18,9 bilhões em 30 de abril; desse valor, apenas 46,5% foram aplicados (empenhados), e 30,3% (R$ 5,7 bilhões) efetivados (liquidados) em ações e serviços públicos de saúde para o combate à pandemia;

(c) apesar de estarmos próximos ao pico da epidemia, restam ainda R$ 10,1 bilhões (ou 53,5% do total) para aplicação nos Estados (R$ 3,1 bilhões) e Municípios (R$ 1,4 bilhão) e nas aplicações diretas do Ministério da Saúde (R$ 5,6 bilhões).

Em resumo, além do Ministério da Saúde ter recebido tardiamente recursos orçamentários adicionais insuficientes, esse “dinheiro novo” não está chegando na “ponta” (Estados e Municípios”, quer em termos financeiros, quer em termos de materiais, medicamentos e equipamentos.

Bolsonaro e Guedes aprofundaram as medidas de austeridade fiscal iniciadas pelo governo Temer, baseadas no teto das despesas primárias fixado pela Emenda Constitucional 95/2016. As perdas de recursos para o SUS devidas à EC 95 estão estimadas em R$ 22,5 bilhões desde 2018, e nenhuma política econômica pode justificar a falta de recursos para o atendimento à saúde e proteção da vida da população. Contudo, em 2021, conforme consta no Projeto de Lei de Diretrizes 
Orçamentárias da União, essa política voltará como uma recidiva em meio aos escombros deixados pelo Covid-19, porque o que menos importa para esse governo é a vida das pessoas, considerando o “e daí” presidencial diante das já mais de 400 mortes diárias causadas pelo vírus.

[i] Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.

[ii] Disponível em <https://bit.ly/35qtTRo>. (Acesso em 03 de maio de 2020)

[iii] Boletim da Comissão de Orçamento e Financiamento (CNS) de 30/04/2020 (levantamento de dados do Senado/Siga Brasil em 02/05/2020 às 13h10) elaborado por Francisco Funcia, Rodrigo Benevides (IPEA) e Carlos Octávio Ocké-Reis (IPEA).

Fonte: Jornal GGN

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