A opinião de direita há anos vem martelando sobre a
presença (ou o retorno) de uma ‘ameaça comunista’ no Brasil, um discurso que
distorce a realidade com objetivo de aumentar a rejeição às políticas
orientadas para mudanças sociais, mesmo as mais moderadas. Esse recurso
contribuiu para o impeachment de 2016 e foi decisivo nas eleições de 2018.
Mas é irônico – e revelador – que na História do Brasil
tivemos duas ditaduras de direita, criadas sob a justificativa da necessidade
de combater a esquerda. Enquanto isso, e ao contrário, quando a esquerda chegou
ao poder, nos anos 2000, ela governou de forma democrática e respeitando as
instituições.
Em meio ao recente crescimento dos movimentos de
direita (no Brasil e no mundo), temos visto o aparecimento de grupos e
lideranças com posturas radicais e violentas, algumas delas nitidamente
inspiradas pelo fascismo. Alguns desses grupos e líderes revelam sua identidade
fascista, outros agem de maneira mais discreta.
É difícil abordar o tema de maneira racional em meio às
batalhas ideológicas polarizadas atuais. Mas a reflexão analítica é parte do
ofício de professor universitário e pesquisador, então vamos enfrentar o
desafio. O fenômeno fascista conta com grande volume de estudos, produzidos
tanto por historiadores como cientistas sociais, que vêm debatendo sobre as
características básicas dos movimentos fascistas clássicos dos anos 1920-40.
Podemos apontar algumas características essenciais do
fascismo histórico: nacionalismo radical, xenofóbico e com tendências racistas;
antiesquerdismo e anticomunismo viscerais; culto à violência como forma de
lidar com conflitos e diferenças sociais, por isso o gosto por uniformes,
militarismo e guerra; o elogio ao instinto e à emoção, considerados superiores
à razão abstrata; antiliberalismo, o que significava rejeitar os valores da
sociedade liberal-democrática, tais como individualismo, pluralismo e redução
do papel do Estado — ao que os fascistas opunham um Estado integral ou
totalitário. Além disso, os fascistas sempre contavam com um líder carismático
e considerado infalível e se organizavam em partidos militarizados.
Se observamos os grupos de direita atuais, vemos a
presença de algumas dessas características, mas raramente a presença de todas
ao mesmo tempo. Em alguns casos, trata-se mais da expressão de sentimentos e
atitudes próximas ao fascismo do que de movimentos organizados.
As características mais presentes são
o antiesquerdismo visceral, o nacionalismo autoritário e
a disposição para enfrentar os inimigos por meios violentos, ao lado
de desprezo por minorias e pela liberdade de expressão (em todos os
sentidos).
A exacerbação dos movimentos de direita radical,
fascistas, ou às vezes semifascistas, é uma tendência muito perigosa, pois
estão apoiados no atual governo federal, podendo levá-lo a sentir-se legitimado
para atentar contra as instituições republicanas para instaurar uma ditadura ou
alguma outra forma de regime autoritário híbrido.
Quanto ao bolsonarismo, ele parece uma mescla de várias
tendências da direita radical, unindo desde neofascistas até nacionalistas
autoritários típicos da tradição brasileira, nostálgicos da ditadura. Há um
elemento complicador para classificar o bolsonarismo como um movimento
puramente fascista, que é sua adesão ao liberalismo econômico (ainda que ela
seja um tanto oportunista). Isso poderá ficar claro mais adiante, a depender da
evolução do processo, mas no momento é difícil fazer afirmações definitivas.
De qualquer forma, todos os fascistas se identificam
com o bolsonarismo, e este, independentemente de qual seja o conceito mais
adequado para defini-lo, apresenta-se como um movimento com claras tendências
autoritárias e extremistas, que, se não forem contidas, poderão jogar o Brasil
em uma ditadura de extrema direita (pela terceira vez na nossa História).
Rodrigo
Patto Sá Motta é professor titular de História da UFMG.
Fonte: Jornal GGN