Desde as eleições presidenciais de 2018, no entanto,
que as palavras “fascista” e “fascismo” passaram a figurar assiduamente no
debate político, principalmente pautadas pelos discursos e práticas de Jair
Bolsonaro (sem partido). O termo figurou nos noticiários no último final de
semana e nesta segunda-feira (1º), por conta da repercussão da manifestação
autodenominada “antifascista em defesa da democracia” realizada
em São Paulo por torcidas organizadas de clubes de futebol.
Assim como Bolsonaro, nos Estados Unidos, Donald Trump
também enfrenta uma série de protestos desencadeados pelo assassinato do cidadão
estadunidense George Floyd – morto
pela polícia de Mineápolis na última segunda-feira (25) –, pautados pelo
antirracismo, mas que também levantam a bandeira antifascista. Além de ameaçar
as manifestações com um possível uso das Forças Armadas, Trump prometeu, pelo
Twitter, classificar grupos antifascistas como organizações terroristas.
O ato foi prontamente aplaudido pela família Bolsonaro,
também por meio do Twitter. Não por coincidência o deputado bolsonarista
Daniel Silveira (PSL-SP) protocolou, na tarde desta segunda, um Projeto de Lei
(PL) pedindo que grupos antifascistas sejam classificados como terroristas
e enquadrados na Lei Antiterrorismo.
Mas o que significa ser fascista e antifascista?
Armando Boito Júnior, professor Titular de Ciência
Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que o
fascismo é um um movimento social reacionário que se situa nas camadas
intermediárias da sociedade capitalista, ou seja, nas classes médias, e tem
como principal objetivo a eliminação da esquerda do processo do político.
Na mesma linha, Valério Arcary, doutor em História pela
Universidade de São Paulo (USP), explica que o fascismo surge para anular a
força política da classe trabalhadora para garantir a manutenção e o
desenvolvimento dos negócios capitalistas.
Para atingir esse objetivo, afirma Arcary, a primeira
meta do fascismo é anular os movimentos de esquerda para, como ocorre no
Brasil, “poder avançar na ruralização da Amazônia, impor a superexploração
sem contrato de trabalhos no mundo urbano, anular a luta das mulheres por
direitos iguais”, por exemplo.
Arcary entende o bolsonarismo como um exemplo de
fascismo do século século 21, por isso movimentos antifascistas também têm sido
observados no Brasil. “O seu objetivo é subverter todas as liberdades
democráticas conquistadas pela geração da década de 1980. Diante disso, surge
um movimento antifascista, que tem como objetivo, então, a defesa das
liberdades democráticas e, portanto, interromper a corrente fascista”,
agregando todos aqueles que defendem as liberdades democráticas, sendo,
portanto, heterogêneo, explica Arcary.
E o neofascismo?
Diferente do fascismo, o neofascismo traz certas
particularidades do século 21, em relação ao movimento fascista do século 20,
organizado em torno de regimes como o de Adolf Hitler, na Alemanha, o de Benito Mussolini, na Itália, o de
António Salazar, em Portugal, e o de Francisco Franco, na Espanha.
Segundo Valério Arcary, “o neofascismo é o fascismo do
século 21. Os fascistas do século 21 são uma família, mas o gênero é
fascista. Assim como fascismo do século 20 tinha o salazarismo, franquismo,
nazismo. Mas era um movimento de um mesmo gênero, eram todos fascistas,
divididos em várias famílias. O bolsonarismo é o fascismo brasileiro do século
21”.
Boito Júnior destaca que no neofascismo brasileiro há
um grande envolvimento da classe média, e à diferença do fascismo clássico, há
um alinhamento aos setores da burguesia mais ligados ao capital estrangeiro,
criando uma espécie de fascismo neoliberal.
“O governo neofascista no Brasil organiza
prioritariamente os interesses do capital estrangeiro, abrindo a economia
privatizante, desregulamentado e cortando direitos dos trabalhadores. É o
programa neoliberal. Então, não tem contradição nenhuma dizer que o fascismo
brasileiro é neoliberal.”
O caso brasileiro em questão
Alguns autores brasileiros se negam a utilizar o termo
neofascismo ou fascismo para o cenário atual, por acreditarem que não há
elementos suficientes para tal caracterização. Júnior, no entanto,
alerta: “aqueles que ainda relutam ou recusam estão subestimando o perigo
que nos ameaça, porque todo governo fascista tem como programa máximo implantar
uma ditadura, usando o conceito de fascismo você está consciente desse
perigo, não utilizando você está subestimando o perigo.”
AQUELES
QUE AINDA RELUTAM OU RECUSAM ESTÃO SUBESTIMANDO O PERIGO QUE NOS AMEAÇA, PORQUE
TODO GOVERNO FASCISTA TEM COMO PROGRAMA MÁXIMO IMPLANTAR UMA DITADURA.
Outros autores, ainda, caracterizam o governo de Jair
Bolsonaro como um populismo de direita. Para o professor da Unicamp, essa é uma
caracterização “equivocada, porque significa dizer que o Jair Bolsonaro
pertence a mesma família política do João Goulart, do Leonel Brizola, só que
mais à direita”.
Segundo Júnior, o populismo é uma política
personalista, que cultura a pessoa do líder. “Bom, o fascismo fez isso com
Hitler e Mussolini.” Na verdade, para o professor, a personalização é uma
tendência geral da liderança política na sociedade capitalista, e não é
suficiente para caracterizar um movimento político.
Em consonância, Valério Arcary afirma que, no Brasil,
mais do que reacionário, o movimento fascista é da extrema-direita e
contrarrevolucionário. “Temer era reacionário. Bolsonaro é
contrarrevolucionário. É qualitativamente mais perigoso, destrutivo, é o
inimigo da democracia”, defende Arcary. Para o estudioso, a peculiaridade do
bolsonarismo é ser implementação do fascismo por dentro das instituições.
“Ele vai anulando as próprias instituições do regime
democrático liberal, em que há pesos e contrapesos. Para os fascistas, é
preciso tirar do caminho qualquer tipo de fiscalização do Congresso Nacional e
de limitação do Supremo Tribunal Federal. Ele tem de anular as outras
instituições e concentrar todos os poderes no Executivo, porque o fascismo é a
contrarrevolução, não é só reação”, afirma Arcary.
Fonte:
Jornal GGN