“Se eu não for
por mim mesmo, quem será por mim?
Se eu for
apenas por mim, que serei eu?
Se não agora –
quando?”
(Hilel, o
Ancião)
No modelo brasileiro de democracia representativa,
similar ao de diversos países, em que a soberania popular é exercida
principalmente por meio da representação, obtida mediante eleições, para os
poderes Executivo e Legislativo, existe uma centena de motivos para uma posição
contrária a processos de impeachment.
Em um sistema presidencialista o impedimento tem como
consequência a substituição do Chefe do Executivo, eleito pela via direta. Por
outro lado, a lei federal brasileira que rege o processo é de 1950. Possui um
amplo rol de atos tipificáveis como crimes de responsabilidade que, em um
sistema partidário fragmentado pode ser usado por uma maioria parlamentar de
forma distorcida e golpista, como foi o caso do impeachment da
presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016.
Para as forças progressistas, tampouco são
irrelevantes, do ponto de vista político, os motivos para contestar um pedido
de impeachment de Jair Bolsonaro.
Ele possui, até onde se conta, número suficiente na
Câmara dos Deputados para barrar a iniciativa. Uma das hipóteses que autoriza
contrapor a tese é de que uma rejeição do pedido pode fortalecer Bolsonaro no
cargo. A outra seria que um aceite, por outro lado, significaria que, após a
crise da pandemia de Covid-19 o país ficaria por, pelo menos nove meses
discutindo pauta única no Congresso Nacional, o que tem o potencial de
aprofundar os problemas. E se, por hipótese, tudo der certo teremos um general
5 estrelas na presidência da República, já que no impedimento do presidente, o
vice assume. Um dirigente militar após 26 anos de dirigentes civis, que poderá
conduzir o país sob os mesmos enfoques de Bolsonaro, aprovando as reformas
neoliberais e cerceando a participação da sociedade civil organizada. Mas com
muito mais “equilíbrio emocional”.
A questão é que Jair Bolsonaro já extrapolou todos os
limites e sua corda parece possuir um tamanho que não somos capazes de
mensurar. Comete, dia após dia, uma quantidade de atos desviantes e passíveis
de enquadramento como crime de responsabilidade. Não permite que haja um só dia
para que se respire um ambiente de paz política no país. Impõe um tensionamento
interminável, uma crise permanente, ora com os demais poderes, atacando os
presidentes das Casas legislativas e ministros do Supremo Tribunal Federal, ora
com os entes federativos, hostilizando os governadores ou, ainda, com a
oposição em enfrentamento direto com qualquer um que exercite o direito de
crítica. Isso tudo fora o relacionamento agressivo e autoritário com a
imprensa.
Em paralelo, Bolsonaro governa para os seus e usa como
nenhum outro político, as redes sociais, sobretudo o Twitter. Insufla seus
seguidores a atacar adversários políticos, reais ou imaginários.
Compartilha Fake News em suas redes sociais, quando não as cria.
A democracia representativa tem como bases, entre
outras, a soberania popular, o sufrágio universal, a observância à
Constituição, a separação dos Poderes, a igualdade de todos perante a lei, a
adesão ao princípio da fraternidade social, a limitação das atribuições dos
governantes garantidas pelos controles que um poder exerce sobre os outros, a
temporariedade dos mandatos eletivos. Bolsonaro já descumpriu boa parte desses
princípios em vários momentos desde que assumiu a presidência da República.
No período mais recente, os ataques ao isolamento
social como medida para conter o avanço da pandemia, tratando a doença covid-19
de forma irresponsável como “gripezinha” ou “resfriadinho”, Bolsonaro criou
novos focos de conflitos, inclusive internos, acarretando a troca do ministro
da saúde e gestando seu maior isolamento político desde a posse. De
pronunciamentos oficiais desastrados, desqualificando as medidas de contenção
do vírus, a passeios de final de semana em Brasília e participação em atos com
pautas antidemocráticas, ele foi perdendo aliados e se afastando de outros.
Mesmo diante desta situação, segue fazendo deboche, como convocar um churrasco
para 30 pessoas no Palácio da Alvorada, que depois diria ser fake
News da imprensa, no dia em que o Brasil ultrapassava os 10 mil mortos
pela doença pandêmica.
Por derradeiro, e super relevante, caso haja
comprovação dos fatos alegados por Sérgio Moro, ao pedir demissão do cargo de
ministro da pasta da Justiça e Segurança Pública, nos autos do inquérito que
tramita no Supremo Tribunal Federal, de que teria indevidamente tentado
interferir na Polícia Federal para proteger interesses particulares, Bolsonaro
também será acusado de crime comum.
Com o agravamento da crise, já são mais de trinta
pedidos de impeachment apresentados na Câmara dos Deputados, por
partidos, coletivos, indivíduos.
Para as forças democráticas da esquerda brasileira,
partidos, entidades, movimentos, a despeito de todas as questões acima
pontuadas que mostram razões sensíveis contrárias ao impedimento, o pedido
de impeachment deixou de ser uma opção discutível e se impõe como uma
necessidade. O parlamento, onde estão os outros representantes do povo
legitimamente eleitos, precisa tomar posição acerca da conduta do dirigente da
nação. As condições jurídicas, essas estão dadas há algum tempo. As condições
políticas, essas precisam ser construídas. O passo primeiro é apresentar o
pedido. O momento é agora.
Tania
Maria de Oliveira é da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Fonte:
Jornal GGN