O articulista André Araújo do GGN costuma dizer que o
acaso é quem constrói a história.
Pensando nisso, lembrei-me da avaliação de muitos
analistas políticos, segundo a qual a facada foi responsável pela eleição do
atual presidente.
Continuando nas contingências, talvez uma pandemia seja
responsável por sua queda.
Enfim, dois eventos aleatórios podem ser determinantes
para o início e o fim da atual tragédia em que o Brasil se encontra.
E aqui, cabe um parêntese. Pois, numa perspectiva
histórica mais ampla, creio que a posse do atual presidente seja fruto da
profecia, segundo a qual a história se repete como farsa. Pois, nessa
perspectiva histórica mais ampla, o atual presidente é filho do “mensalão do
PT”, da “república de Curitiba” e do “golpimpeachment” em Dilma.
Assim como os
militares de 64 são fruto do “mar de lama” de Getúlio e da “república do
Galeão” e das várias tentativas impedir as posses de JK e Jango. Aí, muitos
alegarão e com razão. Ah, mas a gestão dos governos militares não se compara
com a do atual governo. Sim. Daí a farsa. Fecha o parêntese.
Retomando. A relação entre a pandemia e a possível
queda do atual governo está na estratégia discursiva do presidente, regida
sempre pelo conflito.
Assim, quando o mundo e o Brasil se depararam com uma
pandemia e todos lançam mão do discurso: temos que salvar vidas. Ao presidente,
que sempre opta pelo conflito, resta o discurso: temos que salvar a economia.
E qual é o problema dessa estratégia discursiva?
É que a retórica “salvar vida” significa maior isolamento
social, menor propagação e maior controle da doença e, consequentemente, volta
mais rápida à normalidade. A ponto de alguns países que adotaram fortemente
essa estratégia já estarem comemorando a marca de nenhum caso novo.
Por outro lado, a retórica “salvar a economia”
significa voltar imediatamente à normalidade. E isso gera maior interação
humana, explosão da pandemia, caos social e sanitário e uma retomada econômica
mais lenta.
Mas, se isso acontece, porque o discurso do presidente
tem tanta força, ao menos no curto prazo?
Isso ocorre por dois motivos.
Primeiro, porque seu governo, estrategicamente, retarda
todas as medidas econômicas para o enfrentamento da doença, forçando a
sociedade a voltar à normalidade.
Segundo, porque quanto maior o isolamento
social, no curto prazo, menor será a propagação da doença e o número de
infectados e, assim, mais as pessoas acreditarão que o isolamento não é
necessário e que a doença não é perigosa.
Logo, no curto prazo, as medidas de isolamento social,
contraditoriamente, ao trazerem resultados positivos acabam reforçando o
discurso oposto, de que o isolamento social é dispensável e que o mais
importante é o retorno à normalidade para recuperar a economia.
Porém, conforme já exposto, voltar à normalidade antes
do controle da pandemia faz com que o vírus volte a se propagar com força. E,
assim, maior será o tempo necessário de isolamento social e, consequentemente,
pior será o desempenho econômico.
Perceberam o problema que uma pandemia imponderável
cria numa estratégia discursiva de uma nota só, de quem sempre opta pelo
conflito?
Em suma, o discurso do presidente é duplamente
equivocado. Pois, o discurso contrário, de “salvar vidas” (manter o isolamento
social) além de ser socialmente mais aceitável, ao reduzir as vítimas, também é
economicamente mais eficaz. Enquanto que o discurso “salvar a econômica”
(voltar logo ao trabalho), antes do controle da doença, produz mais vitimas e
prejudica o desempenho econômico.
E aqui, não custa alertar os “economistas” incapazes de
resolver uma equação que leva em conta a realidade empírica e tem mais de uma
variável. Pois, a equação crescimento econômico, que depende da variável
“trabalho”, não existe na realidade sensível sem a variável “coronavirus”. Ou
seja, só é possível resolver a equação “crescimento econômico” levando em conta
as duas variáveis (trabalho e doença) simultaneamente.
Posto isso, há uma certeza e uma dúvida.
A certeza é que essa estratégia discursiva do
presidente causará mais mortes e prejudicará o desempenho econômico. A dúvida é
saber quanto tempo a sociedade brasileira irá levar para acordar dessa letargia
imposta por discurso messiânico do “bem” contra o “mal”, feito por um
presidente sádico que atenta contra os interesses de sobrevivência e
desenvolvimento da própria sociedade?
Fonte:
Jornal GGN