O ano de 2020 começou com a surpreendente pandemia do
novo coronavírus: iniciada na China, invadiu rapidamente outras nações em
vários continentes e expôs as fragilidades das políticas econômicas e sociais
dos países que não priorizam os investimentos em saúde pública, no contexto das
políticas de austeridade fiscal.
No cenário internacional, o Brasil tem se diferenciado
pela estratégia equivocada de combate à pandemia. O governo federal está
perdendo de goleada o combate contra o Covid-19: chegamos ao final de abril com
85.380 casos confirmados e 5.901 mortes.[ii]
O presidente Bolsonaro é responsável pelo agravamento
dessa crise sanitária, pois minimiza até hoje os riscos e a letalidade do
coronavírus, apesar das fartas evidências do cenário internacional,
especialmente dos casos de EUA, Itália e Espanha. Contrário à opinião dos
especialistas em saúde coletiva, afirmou que se trata de “uma gripezinha”,
criticando o técnico do seu time (Ministro da Saúde) e os governadores e
prefeitos por decidirem jogar na retranca (adotando o isolamento social) como
meio de enfrentar a pandemia (diante da falta de leitos de UTI e outros
equipamentos nos hospitais, kits para testagem em massa, equipamentos de
proteção individual para os trabalhadores da saúde e de uma estrutura produtiva
brasileira e mundial para atender à demanda mundial por esses produtos em um
espaço tão curto de tempo).
Numa “canetada”, Bolsonaro demitiu seu técnico e
convidou um novo, inexperiente e despreparado, que nunca dirigiu em time de
primeira divisão (o SUS) para atuar em um cenário de calamidade pública. Sua
missão não foi a de proteger a saúde e salvar a vida dos brasileiros, mas de
justificar o abandono do isolamento social, independentemente do crescimento da
velocidade de contaminação do vírus.
De técnico que coordena as ações para enfrentar o
adversário, o Ministro da Saúde assumiu o cargo com discurso de narrador do
evento coronavírus. Falou sobre as incertezas e a complexidade da situação, dos
riscos da pandemia e anunciou o aumento do número de casos e de mortes
decorrentes do Covid-19. Ao invés de orientar ou informar sobre as diretrizes
da nova gestão, narrou os acontecimentos. Se pelo menos fosse comentarista,
conseguiria explicar a tática e a estratégia de combate ao novo coronavírus.
Suas medidas são lentas e insuficientes para contribuir
com as ações dos secretários estaduais e municipais de saúde, que estão na
linha de frente, junto com os trabalhadores do SUS, do enfrentamento do
Covid-19 da imensa maioria das unidades do SUS; o Conselho Nacional de Saúde, o
Conselho de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde (Conasems) estão atônitos com essa postura errática, que
demonstra desconhecer a lógica operacional do SUS, cuja gestão é
descentralizada e tripartite.
Essa situação pode ser demonstrada com as informações
oficiais da aplicação dos recursos destinados ao combate à pandemia (há uma
ação orçamentária específica para essas despesas) que constam do último Boletim
Cofin (CNS): [iii]
(a) o Ministério da Saúde foi inicialmente autorizado a
realizar um remanejamento interno de recursos orçamentários, ou seja, não houve
aplicação de “dinheiro novo” até o final do mês de março;
(b) os recursos orçamentários do Ministério da Saúde
para o combate à pandemia totalizavam R$ 18,9 bilhões em 30 de abril; desse
valor, apenas 46,5% foram aplicados (empenhados), e 30,3% (R$ 5,7 bilhões)
efetivados (liquidados) em ações e serviços públicos de saúde para o combate à
pandemia;
(c) apesar de estarmos próximos ao pico da epidemia,
restam ainda R$ 10,1 bilhões (ou 53,5% do total) para aplicação nos Estados (R$
3,1 bilhões) e Municípios (R$ 1,4 bilhão) e nas aplicações diretas do
Ministério da Saúde (R$ 5,6 bilhões).
Em resumo, além do Ministério da Saúde ter recebido
tardiamente recursos orçamentários adicionais insuficientes, esse “dinheiro
novo” não está chegando na “ponta” (Estados e Municípios”, quer em termos
financeiros, quer em termos de materiais, medicamentos e equipamentos.
Bolsonaro e Guedes aprofundaram as medidas de
austeridade fiscal iniciadas pelo governo Temer, baseadas no teto das despesas
primárias fixado pela Emenda Constitucional 95/2016. As perdas de recursos para
o SUS devidas à EC 95 estão estimadas em R$ 22,5 bilhões desde 2018, e nenhuma
política econômica pode justificar a falta de recursos para o atendimento à
saúde e proteção da vida da população. Contudo, em 2021, conforme consta no
Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias da União, essa política voltará como
uma recidiva em meio aos escombros deixados pelo Covid-19, porque o que menos
importa para esse governo é a vida das pessoas, considerando o “e daí”
presidencial diante das já mais de 400 mortes diárias causadas pelo vírus.
[i] Economista
e Mestre em Economia Política pela PUC-SP e Consultor Técnico do Conselho
Nacional de Saúde.
[ii] Disponível
em <https://bit.ly/35qtTRo>. (Acesso em 03 de maio de 2020)
[iii] Boletim
da Comissão de Orçamento e Financiamento (CNS) de 30/04/2020 (levantamento de
dados do Senado/Siga Brasil em 02/05/2020 às 13h10) elaborado por Francisco
Funcia, Rodrigo Benevides (IPEA) e Carlos Octávio Ocké-Reis (IPEA).
Fonte:
Jornal GGN