No atual estágio de nossa civilização, a racionalidade
técnica atingiu todas as esferas da vida social. O mundo se tornou cada vez
mais administrado. Os indivíduos foram transformados em objetos de organização
e coordenação em larga escala. O capitalismo, por meio da técnica, foi capaz de
criar padrões, modos de comportamento, atitudes e formas de pensar que se impõe
ao indivíduo massificado no interior das práticas sociais. Desse modo, o
sujeito só pode assegurar sua sobrevivência se for capaz de aceitar padrões
externos de adaptação, integração, desempenho e eficiência.
Hoje, vivemos em
uma sociedade cada vez mais enclausurada, cada vez mais socializadas,
determinada pelos controles técnicos. O resultado disso são sujeitos fracos,
impotentes e dessubjetivados, que procuram compensar sua fraqueza se
identificando com as estruturas do poder. As pesquisas do filósofo Theodor
Adorno mostraram que é a partir do enfraquecimento do eu que surgem as
predisposições fascistas na sociedade. A personalidade autoritária não surge de
uma determinada ideologia política conservadora, mas surge da impotência e da
incapacidade do indivíduo reagir ao descomunal aparelho técnico-econômico que o
subjuga. Nas próprias palavras de Adorno: “Personalidades com tendências
autoritárias identificam-se ao poder enquanto tal, independente do seu
conteúdo. No fundo dispõe de um eu fraco, necessitando, para se compensarem, da
identificação com grandes coletivos e da cobertura proporcionada pelos mesmos”
(ADORNO, 1995, p.37).
Freud no início do século XX, em seu livro Psicologia
das massas e análise do Eu (1921), foi capaz de prever o surgimento e a
natureza dos movimentos de massa fascistas em termos psicológicos. A partir das
ideias de Gustave Le Bon, ele procurou compreender as transformações
psicológicas que passa o indivíduo ao fazer parte de uma coletividade. Ao
retomar as ideias de Totem e Tabu, ele defendeu a tese de que os laços que
ligam os indivíduos em um grupo ou massa é determinado por Eros (Amor),
reproduzindo os mesmos laços emocionais da horda primitiva.
Freud observou que há uma grande mudança na psicologia
e no comportamento dos indivíduos quando eles participam de um grupo ou de uma
massa. A principal mudança é a de que os processos conscientes são substituídos
por processos inconscientes. Os indivíduos perdem sua capacidade crítica,
adquirindo um grande sentimento de poder, dando vazão aos seus instintos mais
primitivos. Desse modo, comportam-se como seres irracionais, em um estado
hipnótico, sendo guiados pela sugestão. Eles são sugestionados pelo líder ou
por aquele que conduz a massa, perdendo totalmente sua autonomia. Eles também
tornam-se predisposto ao contágio, imitando as atitudes e comportamentos
irracionais que se manifestam em todo grupo.
Com isso, comportam-se
contrariamente às interdições morais da sociedade, em oposição aos seus hábitos
e caráter. Assim, “todas as inibições individuais são anuladas e todos os
instintos cruéis, brutais e destrutivos, que dormitam no indivíduo como restos
dos tempos primitivos, são despertados para a livre satisfação dos impulsos”
(FREUD, 2019, p. 52).
O principal fator inconsciente que move os indivíduos é
a necessidade de pertencerem a uma coletividade, sendo amados, respeitados e
felizes como partes dessa totalidade. Freud percebeu essa motivação
principalmente na igreja e no exército. Nessas instituições, o líder torna-se,
depois de Eros, o principal motivo dos vínculos libidinais entre os indivíduos.
Todos se unem na mesma ilusão de que há um líder, na Igreja Católica Cristo, no
exército o general, que ama a todos de modo incondicional. Os indivíduos se
ligam ao líder por identificação e por laços emocionais com seus semelhantes
por características afetivas em comuns. Nesse sentido, o líder torna-se o
“ideal do eu” dos indivíduos, um modelo a ser imitado e seguido, mantendo o
grupo unido: “O mecanismo que transforma a libido no vínculo entre líder e
seguidores, e entre os próprios seguidores, é o da identificação” (ADORNO,
2015b, p.166).
Para Freud, a identificação é uma manifestação precoce
de ligação emocional entre dois indivíduos. Ela surge pelo Complexo de Édipo,
onde a criança ao querer substituir o pai, identifica-se com ele. O pai passa a
ser o ideal do Eu da criança, que posteriormente foi chamado pela psicanálise
de superego. É pela identificação que o líder assume a figura do pai, mediante o
seu amor, une todos os indivíduos uns com os outros e pela mesma percepção da
realidade.
As ideias de Freud foram de enorme importância nos
estudos de Adorno sobre a propaganda fascista, procurando entender como os
agitadores fascistas são capazes de criar uma ambiente emocional de
hostilidade, guiando os indivíduos para fins políticos. Em seu artigo, Antissemitismo
e a propaganda fascista (1946), Adorno mostra três características da
abordagem psicológica da propaganda autoritária.
A primeira característica da propaganda fascista é a
personalização do líder. Em seus discursos e na publicidade todo líder sempre
procura falar de si mesmo. Eles falam sobre seu cotidiano, sobre sua
intimidade, sobre sua família e sobre suas preferências. Eles sempre se apresentam
como homens comuns, humildes e religiosos. Eles também falam de suas fraquezas
e não possuem a pretensão de superioridade. Apresentam a imagem de homens
simples, mas ao mesmo tempo de grandes líderes: “Eles se identificam com seus
ouvintes e colocam particular ênfase em serem simultaneamente tanto homens
pequenos e modestos quanto líderes de grande calibre” (ADORNO, 2015a, p 138-9).
Essa característica pode ser corroborada na campanha eleitoral do presidente
Jair Bolsonaro. Em seus discursos, Bolsonaro sempre falava de si mesmo e de sua
família. Ele passava a imagem de um homem comum, religioso, honesto e que se
identificava com qualquer outro brasileiro. Era normal vê-lo andando de
chinelos, cortando o cabelo, rezando em alguma igreja ou de bermuda, comendo
pão com leite condensado. Nunca se apresentava como intelectual, mas como
um indivíduo simples e pragmático. Ele colocava-se como a imagem e semelhança
de seu eleitor.
A segunda característica elencada por Adorno é a de que
os agitadores fascistas substituem os fins pelos meios. Eles propagandeiam a
ideia de um grande futuro, de um grande movimento, de uma grande organização,
que deve possibilitar a renovação da nação, que esperam realizar. Nesse
sentido, eles enaltecem a ação e estabelecem o compromisso de um grande pacto.
Eles se colocam como visionários daquilo que está por vir, tal como Hitler
fazia em seus discursos. Essa característica também pode ser encontrada
no discurso
de posse do presidente Jair Bolsonaro. Nesse discurso ele afirma que sua grande missão é a
de restaurar e reerguer a pátria, “libertando-a definitivamente do julgo da
corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão
ideológica”. Ele fala de um “verdadeiro pacto nacional entre a sociedade e o os
Poderes executivo, legislativo e Judiciário, na busca de novos caminhos para um
novo Brasil”. Ele também afirma que sua grande “prioridade é proteger e
revigorar a democracia brasileira”. (BOLSONARO, 2019, Folha de São Paulo).
O que é notório em sua fala, é que ele não diz como esses objetivos serão
alcançados, como o pacto se conduzirá e quais ações devem ser tomadas. Seu
discurso é retórico e emocional. Ele almeja convencer os indivíduos
manipulando seus mecanismos emocionais e inconscientes, sem apresentar ideias
objetivas ou argumentos. Na verdade, o discurso fascista nunca apresenta ideias
objetivas, ele sempre é astuciosamente ilógico e pseudoemocional.
A terceira característica da propaganda fascista
constitui um dos seus mais importantes padrões, uma vez que apela ao desejo e
ao prazer de bisbilhotar e difamar seus oponentes. Normalmente se contam fatos
geralmente inverídicos sobre a vida deles. Constantemente se contam histórias
escandalosas, a maioria falsas, como escândalos sexuais, corrupção, violência
ou algum excesso. Essa característica também pode ser exemplificada nas
propagandas fascistas de Bolsonaro. São as famosas “fake news”. Nas eleições, o
seu principal oponente, Fenando Haddad, foi acusado das mais absurdas notícias.
Ele foi acusado de distribuir nas escolas kitgays para incentivar as crianças a
serem homossexuais; de distribuir mamadeiras de pênis para incentivar a
sexualidade nas crianças; de propagar o incesto por meio de livros, de
legalizar a pedofilia e de possuir riquezas como uma Ferrari.
Em outro ensaio, A teoria freudiana e o padrão da
propaganda fascista (1951), Adorno apresenta todas essas características
do discurso fascista e as aprofunda, procurando compreender os padrões que são
intrínsecos ao discurso dos agitadores. Neste texto, o que o intrigava era como
o líder fascista conseguia o apoio de milhares de pessoas para fins
incompatíveis e até contrários aos seus próprios desejos e interesses. Em sua
opinião, o material estudado sempre mostrava que a abordagem era muito mais
psicológica do que atingir fins objetivos. Não se trata de argumentos ou de
fins claramente racionais, mas de convencer as pessoas de modo afetivo, emocional,
apelando aos processos inconscientes. Era por isso que o líder conseguia
atingir seus fins políticos. Para Adorno bastava analisar um panfleto ou
um discurso para compreender todos as outros. Eles usam sempre as mesmas
técnicas.
Segundo Adorno, a técnica fascista é sempre
autoritária. Freud já havia mostrado que na Igreja e no Exército o amor é
sublimado, não se fala em relações afetivas entre seus membros. O amor sempre
aparece como caridade, compaixão pelo próximo, ajuda mútua, amor à corporação
ou à pátria. Nessas instituições o amor deve ser sempre reprimido e
transformado em dever e obediência. Sobre isso, Adorno (2015b) afirma que
Hitler em seus discursos recusou a imagem de um pai amoroso e o substituiu pela
imagem de um pai autoritário, assumindo uma posição conservadora e ameaçadora.
Já o amor foi sublimado através da ideia de uma Alemanha forte e poderosa. Nós
podemos fazer aqui um paralelo com o discurso do presidente Jair Bolsonaro. De
modo consciente ou inconsciente, nas eleições ele assumiu a imagem do pai
autoritário, conservador e ameaçador. Em seu discurso sempre havia palavras de
ordem, de ódio e de ataques aos seus inimigos. Por outro lado, o amor foi
transferido para a ideia de um Brasil forte e soberano. Tanto que o slogan de sua
campanha era: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Esse slogan era uma
nítida referência ao slogan da Alemanha nazista.
Uma importante técnica avaliada por Adorno na
propaganda fascista, e que pode ser exemplificado na figura de Bolsonaro, é a
ideia de “pequeno grande homem”. Esse recurso se veicula a ideia de
personalização. O líder fascista sempre passa a imagem de um homem forte,
pragmático, mas ao mesmo tempo um homem como qualquer outro, uma pessoa comum,
sem mácula. A propaganda fascista nunca fala em problemas objetivos, uma vez
que foca sempre na repetição reiterada da imagem do líder. Há sempre uma dupla
imagem, por um lado o líder se apresenta como um ser pragmático, capaz de
resolver todos os problemas, mas ao mesmo tempo como um homem do povo, uma
pessoa comum. Essa imagem personalizada do “pequeno grande homem” também foi
usada na propaganda de Bolsonaro. Vejamos essa passagem de um texto em seu
facebook:
O que este homem tem de extraordinário e anormal? A
resposta é simples e clara: Nada! E é exatamente este seu cacife. Ele é uma
pessoa comum, com seus defeitos que cada um de nós carrega; com sua vontade de
ver um país com menos corrupção, menos “esculhambação”, menos desinformação e
menos bombardeamento da família etc. O que seus adversários ainda não
entenderam é que a questão não é o Bolsonaro; o problema é com eles! O povo não
está votando propriamente no Bolsonaro. O povo está “desvotando […]. Não é
questão de escolher o mais culto, o mais “preparado”, o mais isso ou mais
aquilo… É repulsa mesmo! Contra o Sistema corrupto, apátrida e diabólico que
nos encharca, empanzina e causa náuseas. O brasileiro não escolheu Bolsonaro;
ele simplesmente está no lugar certo e no momento exato. A maioria, mesmo
inconscientemente, está votando em si mesmo. Apenas se achegou a um porta-voz
que ia passando e dizendo muito daquilo que você e eu queríamos dizer. Aquilo
que estava engasgado há tempos.
Fonte:
Jornal GGN