O presidente Jair Bolsonaro fez valer o peso de sua
caneta, como havia ameaçado, e demitiu nesta quinta-feira (16/04) Luiz Henrique
Mandetta do cargo de ministro da Saúde, após um mês de embates sobre a melhor
estratégia para o enfrentamento da pandemia de coronavírus.
Embora Teich defenda, assim como Mandetta, a política
de isolamento social para conter o contágio da doença, o novo ministro chega no
governo comprometido com a missão estabelecida pelo presidente de
“gradativamente” possibilitar a retomada de atividades econômicas paralisadas
pela quarentena de parte da população.
“Existe um alinhamento completo aqui, entre mim e o
presidente, e todo o grupo do ministério, e que realmente o que a gente está
aqui fazendo é trabalhar para que a sociedade retome cada vez mais rápido uma
vida normal”, disse em seu primeiro pronunciamento no comando da Saúde.
Para analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil,
no entanto, Bolsonaro hoje é um
presidente enfraquecido e seu governo não terá forças para ditar uma mudança de
rumo na condução da crise.
Eles notam que, embora a troca de ministro pareça uma
tentativa do presidente demonstrar poder e retomar protagonismo, concretamente
a decisão sobre a paralisação de diversas atividades econômicas está nas mãos
dos governadores, com respaldo do Supremo Tribunal Federal (STF) e das
principais lideranças do Congresso Nacional.
Bolsonaro chegou a editar uma medida provisória (MP)
lhe dando poderes para determinar quais seriam as atividades essenciais que não
poderiam ser paralisadas por determinação de governadores e prefeitos,
inclusive tentando liberar o funcionamento de casas lotéricas e igrejas em todo
o país. No entanto, o STF declarou, na quinta-feira (17), inconstitucionais
trechos dessa MP, garantindo aos governadores e prefeitos o poder de
estabelecer regras de isolamento, fechamento do comércio e restrição de
trânsito em rodovias.
“Permanece um cenário em que o presidente tem pouca
capacidade de influenciar a política pública e coordenar os atores políticos”,
nota o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
“Quando o Supremo reconhece a autonomia dos Estados no
desenho de políticas públicas de combate à covid-19, ele
limita o potencial de mudança que venha a partir da substituição no Ministério
da Saúde”, reforça.
O próprio presidente parece reconhecer seu poder
limitado de influência ao se queixar mais uma vez de não ter sido ouvido por
governadores e prefeitos antes de suas decisões. “Em nenhum momento eu fui
consultado por medidas adotadas por grande parte dos governadores e prefeitos.
Tenho certeza, eles sabiam o que estavam fazendo”, criticou, ao anunciar o novo
ministro.
‘Troca
tem custo alto para o país e o presidente’
Com o ‘peso da caneta’, Bolsonaro demitiu Luiz Henrique
Mandetta e nomeou Nelson Teich para o Ministério da Saúde nesta quinta-feira
(16).
Para a cientista política Maria Hermínia Tavares,
professora aposentada da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento, a mudança de comando no Ministério da Saúde no meio da pandemia
terá um “custo alto” para o país no enfrentamento da doença. Ele ressalta que
atuação de Mandetta tinha 76% de aprovação popular, segundo pesquisa do início
de abril do Instituto Datafolha, o que sinaliza que sua demissão também terá
“custo político” para Bolsonaro.
A mesma pesquisa apontou aumento do índice de
reprovação do presidente, de 33% para 39%, enquanto o percentual de brasileiros
que avaliam seu trabalho como ótimo ou bom oscilou de 35% para 33%.
Tavares também vê Bolsonaro enfraquecido nesse momento
de crise. “Nós vivemos num sistema presidencialistas que não tem presidente.
Ele não é capaz de coordenar sua equipe ministerial, não é capaz de conversar
com outros Poderes, num momento em que a coordenação, a união nacional, seria
importante”, crítica.
“Ele se ocupa de atividades de menor importância: tirar
selfie com apoiadores na porta do Palácio do Alvorada, alimentar a minoria que
o apoia no Twitter. Bolsonaro não exerce a Presidência em nenhum sentido
significativo da palavra”, disse ainda.
Em demostração de alinhamento no contraponto a
Bolsonaro, os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado,
Davi Alcolumbre, divulgaram nota conjunta criticando a demissão de Mandetta.
“A maioria das brasileiras e dos brasileiros espera que
o presidente Jair Bolsonaro não tenha demitido Mandetta com o intuito de
insistir numa postura que prejudica a necessidade do distanciamento social e
estimula um falso conflito entre saúde e economia”, disseram no comunicado.
“O Congresso Nacional espera que o novo ministro,
Nelson Teich, dê continuidade ao bom trabalho que vinha sendo desempenhado pelo
Ministério da Saúde, agindo de forma vigorosa, de acordo com as melhores
técnicas científicas. A vida e a saúde dos brasileiros devem ser sempre nossa
maior prioridade”, cobraram também.
Direito de imagemMARCOS BRANDÃO/AGÊNCIA SENADOImage
captionOs presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi
Alcolumbre, divulgaram nota conjunta criticando a demissão de Mandetta
Analistas
não vêem risco de impeachment
Apesar da fraqueza do presidente, os analistas ouvidos
pela reportagem não acreditam que a demissão de Mandetta possa ser um gatilho
para que o Congresso inicie um processo de impeachment.
“Não há condições políticas mínimas para se pensar em
impeachment hoje. Todo mundo está empenhado na guerra contra o coronavírus. Não
tem como começar um processo político que leva meses e corre o risco de
paralisar o país. Se em momentos normais já é complicado, imagina agora”,
acredita Antonio Lavareda, professor de ciência política da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE).
A avaliação é a mesma de Hermínia Tavares e Rafael
Cortez. O analista da Tendências, porém, acredita que a troca de ministro eleva
o risco de Bolsonaro enfrentar um processo de impeachment mais à frente, caso
essa mudança venha acompanhada de uma piora da situação de pandemia.
Nos últimos dias, o país registrou casos crescentes de
contaminação e mortes provocadas pela covid-19. Até quinta-feira, o Ministério
da Saúde contabilizava 30.425 pessoas contaminadas pelo coronavírus e 1.924
vítimas fatais. Epidemiologistas, no entanto, acreditam que o quadro é ainda
pior que os números oficiais já que a falta de testes está provocando
subnotificação.
Para Cortez, mesmo no cenário menos provável hoje de a pandemia
regredir sensivelmente após a troca de ministros, o contexto político
pós-coronavírus tende a ser negativo para Bolsonaro. Na sua avaliação, esse
novo cenário aumentou a importância da agenda de redução da desigualdade social
e reduziu a relevância do antipetismo como motor político.
“A covid-19 tem um efeito político oposto ao da
Operação Lava Jato”, acredita ele.
“Enquanto a Lava Jato abriu caminho para a eleição de
um candidato de oposição ao sistema política tradicional, como Bolsonaro, a pandemia
favorece o pacto político, a cooperação”, analisa ainda.
Mandetta
desponta nacionalmente
Image captionAnalistas apontam que conduta de Mandetta
à frente do ministério fortalece não só sua figura política como o seu partido,
o DEM
Lavareda também vê a covid-19 como um marco importante
para os rumos da política brasileira.
“Essa pandemia, pela gravidade, pela profundidade, é
uma espécie de divisor de águas na história da nossa sociedade, da nossa
economia, e também na história política”, afirma.
Nesse sentido, o professor da UFPE acredita que a boa
avaliação de Mandetta na condução do Ministério da Saúde lhe dá força para
futuras disputas eleitorais, sendo hoje o nome mais forte do DEM, seu partido,
para disputar a eleição presidencial de 2022.
“É muito difícil que essa aprovação não se traduza, ao
menos em parte, em apoio eleitoral. Ainda que o capital político não se
mantenha na mesma proporção de hoje, já que ele vai se afastar do cenário
principal do Ministério da Saúde, com certeza ele será um nome eleitoralmente
forte para quaisquer disputas nas próximas eleições”, afirma.
Para Rafael Cortez, ainda é cedo para chamar o
ex-ministro de presidenciável. Mas ele acredita que a ascensão de Mandetta
deixa o DEM mais forte nas negociações para alianças eleitorais em 2022. Antes
de ser ministro, seu cargo mais alto foi o de deputado federal pelo Mato Grosso
do Sul.
“Ele deixa agora de ter um cargo público e isso vai
reduzindo sua exposição. Acredito que terá mais força para disputar o cargo de
governador no seu Estado”, disse.
Fonte:
Jornal GGN