Aqui mesmo no GGN esbocei quais poderiam ser os
reflexos da pandemia na arte. Antes disso havia me aproximado desse episódio à
luz da historiografia da morte. Volto ao assunto por causa da evidente
obsessão mórbida do desgoverno Bolsonaro.
O presidente do BC disse que reduzir a quantidade de
mortos prejudicará a economia.
Bolsonaro quer interromper o isolamento social
para garantir uma elevada taxa de mortalidade. Ao invés de construir Hospitais
de Campanha, o Exército sonda a capacidade dos cemitérios. Adepto da medicina
nazista, o novo Ministro da Saúde afirmou que os adolescentes têm mais direito
a vida do que os idosos como se pudesse abrir mão das vidas de uma parcela
da população.
Em 17 de abril de 2016 a Câmara dos Deputados aprovou o
Impeachment de Dilma Rousseff. Esse pode ser considerado o marco inicial do
estado de exceção em que vivemos. Michel Temer rapidamente desmantelou todos os
programas sociais esvaziando os princípios civilizatórios da Constituição
Cidadã. Eleito com o apoio do comando do Exército, Bolsonaro transformou a
exceção em regra.
A intenção do mito de transformar o Brasil numa terra
arrasada é evidente. Ele facilitou incêndios na Amazônia, liberou totalmente o
uso de pesticidas, puniu quem fiscaliza crimes ambientais, instigou a violência
homicida no campo contra índios, quilombolas e sem-terras, ameaçou entrar em
guerra com a Venezuela e abandonou o nordeste à própria sorte quando as praias
nordestinas começaram a ser poluídas por petróleo. A comitiva presidencial
trouxe o COVID-19 dos EUA para Brasil e Bolsonaro faz questão de sair para
contaminar a população brasiliense.
O programa de governo desse regime de exceção que
mutilou totalmente a Constituição Cidadã pode muito bem ser resumido através do
título de um filme norte-americano de 1954: Meu ofício é matar. Bolsonaro não
quer salvar a economia. O que ele quer fazer é utilizar a pandemia para matar a
maior quantidade de pessoas que ele considera imprestáveis, desprezíveis e
descartáveis.
“There are two quite dissimilar methods of manufacture,
the choise of which is determined by the nature of the goods. One is the
continuous process, where the product goes along in a straight line, and
various operations on it are performed and the product comes out at the further
end of the building ready for shipment. This straight line is not necessarily a
physical line and it may have subdivisions or it may have tributaries…
The other principal method is the intermittent, or assembly, method. In this,
the product is made part by part, or unit by unit, and finally brought together
in a completed whole. Some of the parts may be made and stored for a long time;
some may be especially for the particular unit that is to be sold. A notable
example of this kind of manufacture is the engine lathe.” (Production
Organization, by E.H.Fish, International Textbook Company, Scranton- PA, USA,
1928, p. 30/31)
TRADUÇÃO
“Existem dois métodos de fabricação bastante
diferentes, cuja escolha é determinada pela natureza dos produtos. Um é o
processo contínuo, em que o produto segue em linha reta, e várias operações
nele são realizadas, e o produto sai no final do edifício, pronto para o
embarque. Esta linha reta não é necessariamente uma linha física e pode ter
subdivisões ou tributários…
O outro método principal é o método intermitente ou de montagem. Neste, o
produto é feito parte por parte, ou unidade por unidade, e finalmente reunido
em um todo concluído. Algumas partes podem ser fabricadas e armazenadas por um
longo tempo; algumas podem ser especialmente para a unidade específica a ser
vendida. Um exemplo notável desse tipo de fabricação é o torno mecânico. ”
O fordismo funerário nazista se inspirou no primeiro
desses métodos. Os judeus eram reunidos e transportados para os Campos de
Concentração. No local eles eram identificados e passavam por uma triagem.
Alguns eram imediatamente “processados”, outros eram estocados para utilização
como mão de obra durante algum tempo e seriam “processados” quando estivessem
suficientemente desgastados. O Campo de Concentração funcionava exatamente como
uma fábrica. As vítimas eram “processadas” de maneira racional, impessoal e
eficiente. O produto final do processo era a fumaça expelida pelas chaminés e
as cinzas removidas dos fornos de cremação.
Esse método não pode ser repetido pelo fordismo
funerário bolsonarista. Apesar das expressões claramente nazistas utilizadas
por membros do governo (alguns vão morrer, os adolescentes têm mais direito de
viver, reduzir a quantidade de mortos prejudicará a economia, etc…) o método de
produção de cadáveres será improvisado. Ao invés de “processar” suas vítimas,
Bolsonaro quer apenas deixá-las morrer fazendo tudo o que for necessário para
não salvá-las.
O nazismo construiu fábricas para produzir cadáveres em
escala industrial e para descartá-los rapidamente com a maior eficiência
possível. A linha de produção de um Campo de Concentração foi claramente
concebida sob influência de obras como Production Organization. O bolsonarismo
não pode agir diretamente sobre os corpos das pessoas consideradas
imprestáveis, desprezíveis e descartáveis. Em razão disso ele concentra todos
seus esforços no extermínio dos direitos outorgados às vítimas pela
Constituição Cidadã e pela Legislação Internacional e na criação de um Estado
constitucional paradoxalmente desobrigado de cumprir suas obrigações
constitucionais.
Bolsonaro não pode ser comparado a Adolf Hitler. Ele
não tem a estatura elevada de um ditador e sim o tamanho diminuto de um
comandante de Campo de Concentração. Mas o mal que o mito quer colocar em
prática não pode ser considerado banal.
O conceito elaborado por Hannah Arendt não se aplica ao
caso brasileiro, pois o mito não é e não pode ser um adepto da metodologia
burocrática, da frieza racional e da impessoalidade administrativa que orientou
a “solução final da questão judaica”. As três coisas que caracterizam o
fordismo funerário bolsonariano são improvisação irracional, o sadismo
incontido e o ódio manifesto contra índios, quilombolas, sem-terras, petistas,
gays, etc… Bolsonaro se parece mais com Amon Leopold Göth do que com Adolf
Eichmann.
Até o presente momento a sociedade brasileira está
conseguindo resistir ao genocídio. Todavia, tudo indica que ele irá ocorrer de
uma maneira ou de outra pois o Estado brasileiro está sendo organizado para
enterrar as vítimas da pandemia e não para salvar os doentes. As rachaduras no
Sistema Justiça estão se expandindo. Bolsonaro já conta com o apoio
incondicional do Procurador Geral da República. Alguns ministros do STF estão
na algibeira dele. A aposentadoria de Celso de Mello e a chegada de Luiz Fux à
presidência da Corte ocorrerão exatamente no momento em que começará para valer
o debate jurídico acerca da responsabilidade criminal por genocídio do
presidente e dos ministros dele.
Se a Câmara não afastar imediatamente Bolsonaro da
presidência ele conseguirá realizar seu sonho. No auge da pandemia o Brasil
inteiro será transformado num imenso Campo de Concentração em que as pessoas
doentes são abandonadas para morrer em razão do Estado não agir para salvá-las
e sim para suprimir os direitos e garantias individuais delas.
A imprensa comemorou a última derrota que Bolsonaro
sofreu no STF. O otimismo dos jornalistas me parece infundado. O mito é apoiado
por alguns governadores e por centenas de prefeitos. As restrições impostas à
circulação dos cidadãos pela maioria dos governadores e prefeitos não surtirão
efeito se uma parcela da população brasileira puder se locomover espalhando
livremente o COVID-19 pelo território nacional. A flexibilização ou eliminação
da quarentena em alguns municípios e estados poderá ter um efeito devastador a
curto e a longo prazo como desejam os arquitetos financeiros, jurídicos e
políticos do genocídio em curso.
Fonte:
Jornal GGN