quinta-feira, 30 de abril de 2020

DIPLOMACIA DA VERGONHA, E DAÍ?, POR GISELE RICOBOM, LARISSA RAMINA E CAROL PRONER




Historicamente, o Brasil foi atuante na construção e consolidação dos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, reconhecido como protagonista de relevado prestígio na elaboração da arquitetura das estruturas das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, especialmente desde a redemocratização.

No entanto, desde a posse de Bolsonaro a política externa brasileira vem sendo fragilizada por um discurso ideológico combativo ao inexistente “globalismo”, uma especulação desconexa e imaginativa do atual ministro, que tem promovido um retrocesso diplomático sem precedentes, sobretudo na área dos direitos humanos.
Trata-se, como denominaram em recente reunião conjunta os ex-chanceleres anteriores a Ernesto Araújo, de uma diplomacia da vergonha, que vem implodindo as relações internacionais construídas ao longo de décadas, submetendo de forma subserviente os interesses nacionais à política de Trump, resultando numa conduta de autoisolamento no mundo globalizado e pandêmico.

Desde a posse de Araújo, o Brasil vem sendo denunciado internacionalmente pelas ações genocidas contra os indígenas, pelos ataques ao meio-ambiente e à diversidade biológica, pelos retrocessos nos direitos à diversidade de gênero LGBTIQ+, em relação ao discurso misógino do Presidente e assessores, pelos ataques à liberdade de imprensa, pela atuação criminosa em relação a defensores dos direitos humanos, bem como pela política carcerária e de segurança pública racista e desumana que vinha sendo levada a cabo pelo então Ministro da Justiça, dentre muitos outros temas.

O desprezo ao tema dos direitos humanos no Brasil produziu impactos sociais sem precedentes em todas as áreas, resultando não apenas no encolhimento da importância do Brasil nos mecanismos internacionais, como também no aumento expressivo das denúncias contra o país nestes fóruns.  Desemprego, pobreza, aumento da violência de gênero, genocídio indígena, destruição ambiental, fragilidade institucional e democrática tem avançado a galope desde a implementação da plataforma antidireitos do governo Bolsonaro.

Nesse sentido, a pandemia não poderia ocorrer em governo e em momento pior para o Brasil. Bolsonaro é reconhecidamente o pior gestor da crise no mundo, como apontou o editorial do The Washington Post, pois coloca em risco a vida de milhares de pessoas, minimizando as consequências letais do vírus e os impactos ao sistema de saúde.

Outro não é o resultado do colapso já vivido nas muitas cidades brasileiras. Sem considerar a subnotificação, o Brasil ultrapassou a China em números absolutos de mortes e a reação do presidente é de sarcástica omissão ou, o que é o pior, de manifestações criminosas.

Bolsonaro também já foi denunciado no Tribunal Penal Internacional por cometer crime de lesa humanidade pela responsabilidade individual que possui na contenção da crise, já que ocupante do principal cargo da República. Após inúmeras denúncias na ONU, relatores especiais das Nações Unidas declararam que “as políticas econômicas e sociais irresponsáveis do Brasil colocam milhões de vidas em risco.”

Os ataques negacionistas do governo Bolsonaro às recomendações da Organização Mundial de Saúde levou o país a ser deixado de fora da aliança sobre o acesso a tratamentos de saúde ao COVID-19, o que inclui bilhões de recursos para o desenvolvimento de uma vacina para conter o vírus. Parte do governo brasileiro sequer sabia da existência da reunião de alto nível da Organização, em mais uma ação da diplomacia da vergonha.

O demérito aos órgãos multilaterais e a completa desídia do governo federal tem resultado em expressivas manifestações dos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, daí que poderá levar o Brasil a uma responsabilização mais efetiva, como uma eventual condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e mesmo a esperada condenação criminal e pessoal do presidente Jair Bolsonaro pelo Tribunal Penal Internacional.

É passada a hora também para que instituições brasileiras atuem de forma decisiva para o afastamento do presidente mais vil, abjeto e despreparado da história da nossa triste república, evitando assim milhares de outras mortes que serão vítimas de seu projeto atentatório aos direitos humanos.

Gisele Ricobom, Larissa Ramina e Carol Proner, professoras de Direito Internacional Público, membras da ABJD

Fonte: Jornal GGN

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