terça-feira, 21 de abril de 2020

BOLSONARO ESTÁ CORRETO, POR PAULO HENRIQUE PINHEIRO




Bolsonaro está correto. Calma! Antes de explicar o porquê de meu vaticínio preciso desenvolver o raciocínio que me permitiu concluir isso.

A epidemia de COVID-19 iniciada em Wuhan e que se transformou em pandemia possui características moduladas pela ciência. Embora seja uma doença nova pois o agente infeccioso (SARS-COV-2) é um coronavírus novo na espécie humana, a ciência o identificou em 3 semanas e mapeou seu genoma em menos de 3 meses após o primeiro caso. Isso é um feito extraordinário. Lembro que outras doenças levaram anos e as vezes décadas para que essas informações fossem esclarecidas.

No dia 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que o surto de COVID-19 em Wuhan virara uma pandemia. A partir daí, por modulações matemáticas e experiências epidemiológicas anteriores percebeu-se que o isolamento social seria a abordagem correta visto que não há, até o momento, vacina ou droga eficaz contra a virose. Outro ponto importante: o vírus revelou uma capacidade de proliferação muito grande e uma especial capacidade de colapsar os sistemas de saúde de países que o recebiam com uma rotina normal. Em colapso, os sistemas de saúde de França, Itália, Espanha, Inglaterra e Nova York devolveram casos graves da doença e viram a mortalidade disparar.

Aqui começo a explicar a análise correta de Bolsonaro. Ele vem dizendo abertamente que “todos devem ser infectados”. Na entrevista do quadradinho do Palácio da Alvorada nesta segunda (20 de abril) ele falou em alto e bom som que “70% dos brasileiros vão pegar, não tem jeito”. E ele está certíssimo.

Apenas faltou uma explicação: Bolsonaro pensa a COVID-19 de forma linear. A doença não responde a um sistema linear. Ela tem características caóticas que a aproximam de um sistema complexo. Senão vejamos:

1 – Ela é dinâmica, ou seja, seu comportamento muda ao longo do tempo e muda com as condições que encontra para seu desenvolvimento. Para exemplificar a taxa de infectividade e a de mortalidade da COVID-19 muda com o lugar e com o tempo depois que ela se instala.

2 – A COVID-19 não é linear. Isso significa que ela reage de forma não proporcional às perturbações impostas na tentativa de seu controle. Percentual de idosos, número de leitos de UTI disponíveis, resposta imune da população, nível de saneamento, quantidade de profissionais de saúde disponíveis, são alguns elementos variáveis que afetam os indicadores da doença.

3 – A doença é sensível às perturbações externas. Na prática, reduzir 50% a circulação de pessoas em uma cidade impacta o fluxo epidemiológico da COVID-19 de forma significativa.

Essas três características definem a pandemia de COVID-19 como um sistema caótico e, por consequência, complexo. A ciência já sabe disso pois o pouco de ordem que temos no mundo se deve à interferência humana que, à partir de vestígios de ordem no caos predominante, ordena os sistemas às suas necessidades.

Dessa forma, 70% dos brasileiros, como disse Bolsonaro, irão contrair COVID-19. Entretanto, ela pensa a doença como um sistema linear e não complexo de forma proposital. Induzir o rompimento do isolamento é a maneira mais rápida de fazer com que 70% dos brasileiros contraiam o vírus. Isso implicará em efeitos de primeira, segunda e terceira ordens.

O efeito de primeira ordem é, ao romper o isolamento, um grande contingente de brasileiros contrairá a COVID-19 em um curto espaço de tempo. A doença tem taxa de mortalidade média de 2%. Mas aí, surgem os efeitos de segunda ordem: muita gente doente ao mesmo tempo faz o sistema de saúde entrar em colapso e muitas pessoas doentes que procuram o hospital, voltam para casa pela ausência de vagas. Isso eleva a mortalidade para 10%, como ocorreu na Itália. Muitas pessoas morreram em casa e os familiares tiveram que conviver dias com os corpos até o sistema funerário coletá-los. 

Mas não para aí: irão surgir os efeitos de terceira ordem, afinal, estamos falando de um sistema complexo, caótico e não linear. Dentre esses efeitos, muita gente infectada dentro de hospitais abarrotados fazem com que profissionais de saúde contraiam a doença e sejam colocados na condição de pacientes. Alguns irão morrer, outros irão passar 2 semanas afastados do trabalho. Nesse momento a taxa de mortalidade chega a 18%, como na Lombardia. 

O grave dessa exposição rápida para que a população atinja a imunidade de rebanho – quando 80% ou mais da população contrai imunidade por vacina ou cura – é que o sistema de saúde colapsado também deixará de atender a gestante que precisa de uma cesárea, um pessoa que sofreu AVC ou infarto, outra que tem um apêndice supurado, ou por falta de vagas ou falta de profissionais de saúde doentes.

Bolsonaro está correto: 70% dos brasileiros irão contrair a doença. Mas a luta travada, atualmente, é para que isso seja diluído ao longo dos meses para não gerar colapso no sistema de saúde e, com isso, reduzir a mortalidade. Além do mais não está claro se uma pessoa pode ou não positivar após a cura. A Coreia já registrou 179 casos de pessoas que curaram da COVID-19 e voltaram a positivar seus exames, portanto tornaram-se potenciais transmissores.

O Presidente sabe disso. E por que insistir na defesa da quebra do isolamento para salvar o emprego e a economia? A resposta também é complexa. Bolsonaro tem cerca de 25% do eleitorado brasileiro fidelizado. Ele precisa de mais percentual para se sustentar. A economia mundial entrará em recessão e o Brasil, por não ser uma ilha, irá junto. A China já anunciou um encolhimento do PIB de mais de 6% nesse último trimestre. Com os países importadores do Brasil em recessão e comprando menos, nós estaremos no mesmo barco com desemprego chegando a possíveis 20 milhões de brasileiros e informalidade a possíveis 45 milhões. Seremos um país de desempregados e informais. Bolsonaro sabe disso.

Então, sair na contramão do mundo contra o isolamento é se posicionar como defensor dos pobres e desempregados. Mais ainda, é se posicionar como defensor dos empresários e do emprego. Apenas aí em, talvez, consiga ampliar seu apoio para próximo de 40%. Não importa se, para isso, 800 mil brasileiros morrerem nos próximos 10 meses. Afinal, serão apenas 0,4% da população.

O governo federal, de forma proposital, não agiu no final de janeiro comprando testes, EPIs e montando a estrutura de marketing e logística para enfrentar a pandemia que chegaria ao Brasil. Sabia que, no caos gerado pela pandemia, poderia aprovar a PEC 10/2020 permitindo que o Banco Central compre a carteira da dívida privada de bancos e empresas, protegendo os especuladores, banqueiros, rentistas e grandes empresários e injetando mais de R$ 1 trilhão nesse sistema de lucros já exorbitantes. Sabia que, assumindo um papel oposto ao dos governadores, estaria jogando no colo destes a conta do desemprego e do fracasso econômico.

O incrível é que o jogo político atrelado ao grande capital, embora cruel, sempre se reinventa. Apenas em 2020 o Brasil pagará R$ 1,9 trilhões (50,7% do Orçamento Federal) de juros, amortizações e parcelas da dívida pública. Com apenas 4 meses de moratória, o Governo Federal poderia dispor de R$ 630 bilhões para garantir renda aos trabalhadores e capital de giro para micro, pequenas e médias empresas suportarem a quarentena – sem necessidade da PEC 10/2020. Mas, para essa turma, sai mais barato expor a população ao coronavírus e correr o risco de matar 800 mil brasileiros – preferencialmente pobres e velhos – que se indispor com o grande capital.

Assim, Bolsonaro que nasceu do caos, volta ao caos, removendo o único fragmento de ordem que a COVID-19 nos deixou à disposição: o isolamento social.

Prof. Dr. Paulo Henrique Pinheiro – Mestre e Doutor em Imunologia. Professor da UESPI

Fonte: Jornal GGN

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